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Nós aqui ainda envergonhados com o assalto ao paiol de Tancos, quando hoje mesmo, em solo europeu, do Báltico ao mar Negro, muitos milhares de soldados estão envolvidos nas maiores movimentações militares de que há memória desde os tempos da Guerra Fria. De um lado e do outro, NATO e Rússia dizem que os exercícios, que envolvem aviões e navios de guerra, tanques e artilharia pesada, são de natureza defensiva. Mas todo o Mundo percebe que, neste tilintar de esporas, os dois blocos tradicionais só arreganham os dentes para mostrar músculo. São jogos de guerra, e condizem com a crescente pressão americana para que os europeus do bloco atlântico aumentem os seus orçamentos militares. Entre os nossos parceiros, bem podem Espanha, Bélgica, Dinamarca, Holanda e Noruega comprar mais caças de combate, à razão de 120 milhões de euros por cada unidade voadora. E até Portugal, cuja frota de F16 (são 30, mas nunca mais de uma dúzia prontos a descolar) está "em final de vida", há de ter de decidir até 2020.
Tudo isso, porém, tresanda a passado. Pura e simplesmente porque a principal ameaça contra os europeus, portugueses incluídos, não pode ser combatida com aviões. A guerra dos tempos modernos trava-se na Internet e nas redes digitais, hoje convertidas num espaço de competição geopolítica, que os Estados aspiram a controlar. Ou a evitar que outros controlem. O mapa-mundo da guerra e da pirataria digital é arrepiante. Os ataques, ou invasões, na forma de vírus ou cavalos de Tróia, podem manipular os algoritmos que comandam as redes sociais, roubar códigos de acesso a contas bancárias ou alterar e destruir redes elétricas, sistemas de abastecimento de água, centrais nucleares, serviços de saúde, transportes. Ou seja, podem afetar severamente a vida dos cidadãos e o normal funcionamento das economias. Em resumo, matérias escaldantes no domínio da defesa nacional.
Ora, esse combate de futuro trava-se com outras armas: conhecimento, inteligência, tecnologia. E investir nelas é porventura mais barato e avisado que comprar aviões de caça ou andar a remendar buracos na cerca. O novo presidente francês acaba de dar um sinal, ao anunciar um corte de 850 milhões de euros no orçamento das suas Forças Armadas. Veremos para que áreas o jovem Emmanuel Macron vai encaminhar aquela poupança, mas prenuncia-se aí uma nova visão europeia em matéria de defesa, cujos orçamentos não podem mais ser encarados como "coisas da tropa". Porque numa Europa democrática e de paz, a tropa somos nós.
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