Na apresentação das medidas Mais Habitação o primeiro-ministro afirmou que elas têm como objectivo responder de forma completa a todas as dimensões do problema, porquanto, a habitação é uma preocupação central e transversal da sociedade portuguesa porque diz respeito a todas as famílias e não apenas às mais carenciadas, mas também aos jovens e às famílias da classe média.
Corpo do artigo
De entre os meios elencados, sublinha-se a decisão do Estado se propor arrendar casas devolutas, durante cinco anos. Em síntese, estas medidas dão corpo às normas contidas na Lei de Bases da Habitação que define como devoluta a habitação que se encontre injustificada e continuadamente, durante mais de um ano, sem uso habitacional efectivo por motivo imputável ao proprietário; que impõe ao Estado o dever de promover o uso efectivo dessas habitações e que prevê a posse administrativa, o direito de preferência e a expropriação pelo Estado. A CRP consagra o direito de todos a uma habitação condigna, que satisfaça a essência da dignidade humana. Ninguém pode ignorar a existência duma crise habitacional, a especulação imobiliária que o país suporta e a insuficiente média dos ordenados auferidos. Rendas de valor insuportável obrigam as famílias a afastarem-se do centro das cidades e até dos seus arredores, para viverem em localidades mais acessíveis. Mesmo nestas, para além da oferta ser pouca, as rendas aumentaram devido à procura existente. Assiste-se a uma construção desenfreada de prédios, condomínios fechados, casas e mansões, mas o preço de venda destes é proibitivo. Em contrapartida, não se vê construção nas cidades ou nos seus arredores para os cidadãos de classe média, nem para a população carenciada. É patente o interesse público na resolução desta crise. Porém, o arrendamento coercivo gerou grande polémica, havendo quem defenda a sua inconstitucionalidade. Não será assim. A CRP garante o direito à propriedade privada, mas não é absoluto porquanto também excepciona a requisição e a expropriação por utilidade pública. Acresce que a mesma cuida e garante outros direitos direccionados à satisfação da dignidade e valores humanos. Em eventual confronto, apelando aos princípios da proporcionalidade e adequação, sobrepõem-se os direitos humanos aos direitos da propriedade. Os imóveis para fins de habitação, e como tal licenciados e autorizados pela respectiva autarquia, não podem ser retirados do mercado durante anos, pois assim o proprietário estará a violar as regras e as leis aplicáveis. Está a frustrar e a falsear o programa e a execução da política de habitação que incumbe ao Estado e autarquias. Age de forma a provocar a disrupção na estratégia gizada por aquelas entidades. Neste confronto de interesse entre utilidade pública/direito individual do proprietário tem e deve sobrepor-se o direito básico e fundamental de uma habitação para todos. As normas em discussão parecem-me constitucionais.
Ex-diretora do DCIAP