Andamos com tendência para o excesso, com o coração junto da boca, menos refletidos e mais agressivos. O escriba destas linhas não escapa a essa circunstância, e algumas vezes lhe terá apetecido esfregar a testa com sabão - como dizia uma amiga de cada vez que se excedia na verve.
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A pressão da tempestade social que vemos abater-se sobre tantos dos nossos concidadãos explica pelo menos parcialmente esta fragilidade. É o velho que vemos a passar na rua a andar não sabe como e sem saber bem para onde; é a mulher nova mas já meia corcovada que, na caixa do supermercado, vai tirando produtos da cesta até que o que ela precisa encaixe no quase nada que tem; é o desemprego e angústia de tantos amigos e conhecidos; são os donos de restaurantes falidos que se matam; é a sensação de que este caminho nos empurra, mecanicamente, para o grande trambolhão. Convenhamos, não falta estímulo para os nossos excessos.
Porém, talvez por estarmos em período de Quaresma, há alguns factos que surpreendem naquilo a que temos por hábito chamar - cada vez sei menos porquê - a política portuguesa.
E esses novíssimos factos são as declarações penitenciais recentes e sucessivas de vários membros do Governo e outros que lhe são próximos.
O primeiro-ministro parece outro, caloroso e quase humano (quase), e diz que o caminho para "superar esta situação" não é "mais austeridade", mas sim "criar condições para que o emprego e o crescimento da economia apareçam". Desculpe, pode repetir?
O ministro das Finanças, talvez o técnico não-político mais político da história democrática portuguesa, inverteu o discurso e admite rodopiar por completo a prática. Assim como quem, de forma negligente e distraída, muda de camisa. Para o "novo" Gaspar, força com o investimento público; força com mais tempo que afinal não é mais tempo. Desculpe, pode repetir?
O ministro da Economia, esse confessa candidamente que o Governo não fez até agora o que devia para combater de forma eficiente o desemprego. António Borges, grandíssimo candidato à medalha de ouro do extremismo rigorista, diz compungido que as injustiças e as impunidades (de quem? Patrocinadas ou permitidas por quem?) estão na origem do descontentamento. Desculpem, podem repetir?
Um dos vice-presidentes da bancada do PSD, o fidelíssimo Carlos Abreu Amorim, atira-se na televisão como gato a bofe ao "seu" ministro das Finanças mais as respetivas previsões, cuja única caraterística absolutamente certa e malfadada é estarem sempre absoluta e malfadadamente erradas. Desculpe, pode repetir?
Até Marcelo Rebelo de Sousa sentencia que "a solução imposta pela honestidade intelectual é só uma". Deve o Governo "assumir o erro e mudar de discurso, explicando que precisamos de mais um ano para o défice". E conclui: "O próprio primeiro-ministro tem que dizer que há uma razão para mudar o rumo". Ámen.
Assim andam as coisas. Dir-se-á: mais vale tarde do que nunca.
Mas não será fácil o perdão. Realmente, em Portugal, todos menos dois (o primeiro-ministro e o ministro das Finanças) sabiam quase desde o início o resultado que aí vinha. Perante tanto bater no peito, quem for dado à veia cínica logo se lembrará daquela máxima de François de la Rochefoucauld (que a sabia toda): "O nosso arrependimento não é tanto o remorso pelo mal que fizemos, mas o receio por aquilo que nos possa acontecer".
Bem sei: estamos em período de Quaresma. Haja esperança na remissão dos pecados e no regresso ao caminho reto e justo. Como católico, vou fazer o esforço devido; como cidadão, temo que possa ser superior às minhas forças.
E aí está a sétima avaliação da troika. Só me lembro de uma daquelas histórias que envolviam sempre um Joãozinho, agora transmudado em Pedro. Deve ser mais ou menos assim: Bom dia, senhor professor, sou o Pedro e venho pedir mais um adiamento da prova. Mas, estudou?, pergunta o professor. Estudei, senhor professor, li a sebenta toda e portei-me sempre de forma exemplar, responde Pedro. Muito bem. Olhe, está chumbado, mas vou colocar na pauta um dez para não parecer mal. Chumbado, senhor professor? Sim, chumbado. Próóóóximo!