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O resultado do referendo na Grã-Bretanha é certamente um revés muito sério para o projeto europeu, pelo qual tantos se bateram ao longo de tantas décadas e em que gostávamos de poder continuar a acreditar. Mas mais grave ainda - e não podemos deixar de assistir a isso com profunda tristeza - é percebermos que muitos dos principais responsáveis europeus optaram por uma reação infantil, não percebendo o que está verdadeiramente em causa neste momento. O que está em causa, assumamo-lo com clareza, é mesmo o futuro do projeto europeu.
Não percebem que, a continuar neste rumo - com uma Europa a várias velocidades, dividida entre um Norte arvorado em castigador e um Sul estigmatizado de incumpridor (como ainda esta semana se viu com o inacreditável episódio das declarações e respetivo desmentido do MNE alemão), com uma Europa que se fecha à diferença e a quem dela necessita - o projeto europeu está a esboroar-se e a deixar de ser um elemento mobilizador e galvanizador para as pessoas, como foi para tantos povos - incluindo o português - com consequências incalculáveis e potencialmente dramáticas, abrindo espaço para populismos e extremismos como aqueles que temos visto vir a emergir em vários países europeus.
É preciso corrigir essa trajetória, é preciso que a Europa deixe de ser um espaço de pensamento único e volte a ser um espaço de liberdade, de progresso e de solidariedade, que volte a ser um projeto mobilizador para as pessoas e não apenas para o sistema financeiro. Não posso deixar de dizer que tem sido com muito orgulho que temos visto o primeiro-ministro António Costa a bater-se, nos sítios certos, por esses valores que nortearam a criação da União Europeia e nos quais ela deve assentar.
Mas é triste perceber que, diante do drama ignominioso dos refugiados, perante o cenário de incerteza provocado pelo Brexit, haja ainda algumas mentes iluminadas cujo pensamento esteja fixado na aplicação de sanções a Portugal, por (rigorosamente) um par de décimas de défice, sobretudo depois desse mesmo défice ter resultado da aplicação escrupulosa da receita que a própria União Europeia impôs ao povo português, com o beneplácito e, mais do que isso, o entusiasmo militante da Direita que nos governava.
É momento de perceber o que nos trouxe a esta situação e arrepiar caminho. Não o fazer é condenar o projeto europeu.
É preciso que a Europa deixe de ser um espaço de pensamento único e volte a ser um espaço de liberdade, de progresso e de solidariedade, que volte a ser um projeto mobilizador para as pessoas e não apenas para o sistema financeiro
* SECRETÁRIA-GERAL-ADJUNTA DO PS