"Já sabes a última? O Gaspar demitiu-se!". A notícia chegava pela voz de um colega. Pouco passava das 16 horas de 1 de Julho. Não sabia. Mais uma vez a realidade ultrapassara a imaginação. Pouco antes havia enviado a minha colaboração semanal para este jornal. Sugeria a utilidade de uma ampla remodelação. Não pensara em Gaspar, em particular. Aliás, se havia alguém visado esse seria o primeiro-ministro (PM).
Corpo do artigo
Sem agenda que me permitisse reescrever o artigo, pedi que lhe apusessem um post scriptum reconhecendo que fora recebido antes de conhecida a notícia. Se a demissão de Gaspar me apanhou de surpresa, mais fiquei quando me disseram que Passos Coelho havia anunciado a sua substituição por Maria Luís Albuquerque. Por duas ordens de razões: desde logo, o seu envolvimento na troca de argumentos com os socialistas sobre se sabia, ou não, da existência dos swaps, aconselhava prudência; depois, por revelar a falta de sensibilidade para reconhecer a fragilidade do Executivo, não aproveitando a ocasião para proceder à reformulação da sua orgânica e à correspondente remodelação da equipa. Que a nomeação fosse mais uma acha na fogueira onde se tem queimado a relação com o PS, percebe-se que é um tema que não incomoda o PM, bem pelo contrário. O resto, também não: pouco importa que a orgânica do Governo seja, comprovadamente, desasada e disfuncional. Desde que a troika ache bem, está bem. Os portugueses e o país são apenas pormenores. Aquilo que defendia no artigo confirmava-se de forma evidente: o maior problema estava no topo, em quem dirigia e comandava ou fingia dirigir e era comandado.
Mesmo ignorando os detalhes, percebeu-se, ab initio, que a decisão havia causado mal-estar dentro da coligação. Ainda assim, estava longe de antecipar a reacção de Paulo Portas. Pouco importa agora se o modo não devia ter sido outro. Se, como tudo indica, Cavaco Silva validar a solução encontrada, a coligação deve-lhe a continuidade e o país talvez tenha uma equipa governativa mais capaz de, para além da retórica, entender os seus problemas e de os fazer reflectir nas respectivas políticas.
Os potenciais custos que esta guerra poderia ter, evidentes no descalabro da Bolsa nacional e, sobretudo, na deterioração dos termos de transacção da dívida pública, assustaram os protagonistas. Que tenha sido preciso chegar a este ponto para que o líder do PSD "caísse na real" é prova provada da sua impreparação para desempenhar o cargo em que está investido. Está visto que nas escolas das "jotas" pouco se aprende, para além dos jogos de poder: a fixação de Seguro na realização de eleições antecipadas é disso mais uma evidência - a não ser que esteja a fazer bluff o que seria, em si, uma outra expressão dessa mesma lógica. O drama é que tenha de ser o país a pagar a respectiva formação profissional "on the job", quando chegam ao poder. Esse custo poderia ser reduzido tivessem eles a humildade de reconhecer a utilidade de ouvir a voz da experiência. Se os partidos políticos não conseguirem alterar os processos internos de selecção das pretensas elites estará em causa, se é que já não está, a própria natureza do regime democrático.
A qualidade das lideranças dos maiores partidos democráticos reflecte-se na forma como deixam que seja a extrema-esquerda parlamentar a marcar a agenda política. A ânsia de chegar ao poder leva-os a fazer alianças oportunistas com o PC ou o Bloco. Foi assim no derrube do governo de Sócrates. Seria assim, a fazer fé na palavra de Seguro, se o CDS abandonasse a coligação. A resultante é uma perigosa degradação das instituições fundamentais da democracia, abrindo campo ao populismo e a outras soluções pretensamente redentoras. Os avisos têm sido muitos e variados. Revejam-se as entrevistas de Adriano Moreira à TVI24 ou a de Valente de Oliveira ao "Público". Muito do que lá é dito parece apenas bom senso. A voz da razão. Mark Twain ao falar da arrogância contava que, quando tinha 14 anos, achava o seu pai um ignorante. Aos 21 ficou admirado com aquilo que o seu pai havia aprendido naqueles 7 anos. Lembra-lhe alguma coisa?
O autor escreve segundo a antiga ortografia