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Seguindo a tendência comum a todas as sociedades ocidentais, em Portugal nascem cada vez menos crianças, ao passo que se vive até muito mais tarde. Este envelhecimento da sociedade terá gravíssimas consequências no futuro. Tudo isto sucedeu a par e passo com uma profunda alteração da família. Até aos anos 60, e qualquer que fosse o estrato social, era normal a coabitação, em agregado familiar, de três gerações. Depois, fruto da migração para a cidade e do desenvolvimento social, a família nuclear passou a ser hegemónica.
A família não constitui hoje uma realidade coincidente com um padrão ou modelo único ou facilmente definível. Para além da família tradicional constituída a partir do casamento civil e religioso, há ainda a família estruturada a partir da união estável de homem e mulher ou de pessoas do mesmo sexo, e a família estritamente monoparental. Por outro lado, as funções dos membros da família alteraram-se e confundiram-se. Os homens deixaram de "sustentar a casa", e a mulher passou a trabalhar fora dela, tendo deixado de se dedicar exclusivamente às tarefas domésticas, o que resultou numa menor disponibilidade para cuidar dos mais velhos.
A secularização da sociedade ocidental também contribui para os problemas dos idosos que, ao contrário do que sucede noutras culturas, não são valorizados como fonte de saber e de experiência, mas vistos e tratados como um fardo. Os casos extremos estão a generalizar-se e prova disso é que são cada vez mais os idosos que chegam doentes aos hospitais e aí são abandonados sem que os familiares cuidem de os recolher.
A sociedade moderna e eficaz não se revê na velhice. Sendo este um problema que não preocupa os novos moralismos em voga, competiria ao Estado contribuir, na medida do possível, para que os idosos tivessem melhores condições de vida podendo manter-se autónomos por mais tempo ou, e dado que o acompanhamento familiar é, na maior parte dos casos, o mais favorável e o mais desejado por todos, propiciar condições para que as famílias pudessem manter os seus idosos. Infelizmente, o jacobinismo do regime impede que o Estado promova essa solução. E, por isso, os idosos de todas as classes sociais vão sendo asilados em lares de maior ou menor qualidade, de acordo com a sua disponibilidade e com a generosidade dos seus descendentes.
Criou-se assim um negócio chorudo, que o Estado deveria regular e fiscalizar com o maior rigor e cuidado, na medida em que os idosos são um grupo de risco, com muito pouca capacidade para reclamar os seus direitos. Ora, em Portugal, a burocracia vigente tem como hábito criar normas, leis e regulamentos, muitas vezes excessivos e até impraticáveis, mas é preguiçosa e irresponsável quando se trata de verificar a sua aplicação.
O caso do lar da Costa da Caparica é, apenas, a ponta do icebergue. Não se sabe, ainda, o que sucedeu, mas a probabilidade de quatro idosos, num universo de 13, morrerem por causas naturais com poucas horas de intervalo é, do ponto de vista estatístico, muito improvável e, por isso, suspeito. Quem tinha a seu cargo promover o seu encerramento depois da vistoria que havia sido feita, escuda-se na tese de que o lar não era ilegal, ainda que estivesse a operar em situação de ilegalidade. Percebe-se assim que por muito estranhas que sejam as circunstâncias deste caso, este é um drama que sucede na penumbra, por muitos e muitos lares do nosso país, que não são mais do que escuras e sombrias antecâmaras da morte para quem deixou de interessar e de ser útil à sociedade moderna em que vivemos.