O desenvolvimento da educação básica e secundária foi guiado por princípios democráticos, igualitários, visando a aquisição de conhecimentos para a participação cívica e económica de todos os cidadãos. Pelo contrário, o sistema de Ensino Superior é múltiplo e estratificado, orientado para a formação de elites e para a seleção com base no mérito.
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Autores como Michael Sandel, com o livro "A tirania do mérito", questionam as implicações antidemocráticas de tal orientação. Primeiro, porque parece estar a atingir-se o que Emmanuel Todd designa como "estagnação educativa", a exclusão sistemática e permanente de segmentos da população do acesso ao Ensino Superior, à informação e ao conhecimento. Segundo, porque a seleção baseada no mérito não superou a seleção baseada nos legados e heranças sociais, como demonstrado nos estudos sobre as origens sociais dos estudantes do Ensino Superior. Por fim, porque medir o mérito com testes e exames gera riscos de redução da diversidade, de desvalorização dos saberes associados ao fazer.
As instituições do Ensino Superior, medindo o mérito sobretudo de modo unidimensional e quantitativo, no acesso, nas suas atividades e nos diplomas têm sido o local e o instrumento de desenvolvimento da ideia meritocrática. Uma coisa é o mérito, outra a meritocracia, ou seja, a seleção com base na avaliação do mérito em domínios muito específicos, usando critérios que reduzem a diversidade e complexidade das suas dimensões.
Dentro de semanas ficaremos a conhecer os resultados da colocação dos candidatos ao Ensino Superior. Milhares ficarão à porta do curso e da universidade que escolheram por décimas de uma nota de exame. Entra um aluno com 17,5 valores, fica de fora um com 17,4. Que talentos estaremos a desperdiçar? Quantos jovens com mérito estarão a ser impedidos de continuar o seu percurso? Quem pode garantir que a diferença entre aqueles jovens justifica a determinação do seu futuro profissional?
Questão igualmente importante é saber quais as alternativas, as escolhas, que se oferecem às universidades. O desenvolvimento de processos de seleção que alarguem as oportunidades de aprendizagem ao longo da vida, de acesso para estudantes das vias profissionais ou das escolas TEIP permitiriam ultrapassar alguns dos riscos identificados, sobretudo os de estagnação educacional. Mas não os da desvalorização de desempenhos profissionais meritórios mas simbolicamente desqualificados, que só poderá ser superada com uma agenda de valorização do trabalho em geral.
*Professora universitária