1. O apelo do presidente da República para que os portugueses "fizessem férias cá dentro" foi acolhido com grande crispação pelo ministro da Economia, que se encontrava na China. Vieira da Silva terá provavelmente levado o comentário à laia de remoque, tanto mais que o chefe do Governo também anda em alegres passeatas, mas não creio que essa fosse a intenção de Cavaco, até porque a promoção de Portugal, de que o ministro se ocupava, não fará parte dessas justas preocupações do nosso presidente.
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Apesar de tudo, não deixa de ser curioso que o Governo resolva "implicar" com o oportuno apelo do PR que, de resto, se limitou a plagiar as boas intenções do anterior ministro da Economia. É que Manuel Pinho lançou, no ano passado, um programa de valorização do turismo interno, que, como o próprio Vieira da Silva reconheceu, contribuiu para que a descida das receitas do turismo não fosse tão acentuada face à recessão internacional.
Naturalmente, Vieira da Silva não estará preocupado com a reacção dos outros países. Saberá até que não há governo europeu que não defenda a preferência pelos seus produtos nacionais, e que não procure promover internamente os seus destinos turísticos. O que o deve incomodar é antes o pessimismo subjacente ao recado, já que o que importa ao PS e ao seu Governo é que os portugueses continuem a acreditar que esta é uma crise passageira e que a solução está ali, ao dobrar da esquina. Por isso, para que não se perca o optimismo, é relativamente indiferente que os portugueses se endividem e desperdicem divisas, utilizando o crédito para comprar viagens ao Nordeste do Brasil e a Punta Cana.
2. Horas depois, o Governo voltou a sentir-se acossado e reagiu através dos ministros das Finanças, da Economia e do (des)Emprego, quando o comissário Europeu da Economia se lembrou de recomendar a Portugal que prossiga com as reformas estruturais, nomeadamente no mercado de trabalho e sistema de pensões. Esta preocupação lícita e justificada, numa altura em que os países europeus procuram domar os seus défices públicos através de cortes na despesa em contraste com Portugal, que insiste, orgulhosamente só, em aplacar o seu défice através do aumento da receita e não é capaz de avançar com políticas que promovam a competitividade, foi recebida com despeito e, desta vez, o presidente da República tomou as dores do Governo, sugerindo que essas reformas não estão na nossa agenda política, o que equivale a acusar a comissão de ingerência nos assuntos internos do país.
Esta súbita convergência entre o Governo e o presidente da República não é todavia de surpreender porque, numa altura em que Portugal ainda não recuperou da cedência de Sócrates ao recente ultimato dos seus congéneres europeus, a jactância colhe frutos e colhe aplausos populares. Infelizmente, o problema não se resolve com bravatas, e o sentimento nacionalista só irá contribuir para aumentar as nossas dores quando, dentro de alguns meses, tivermos que vergar as costas às novas imposições de quem manda na Europa. Se os alemães, os franceses e até os espanhóis, com a sua governação socialista, optaram por cortar a sério na despesa primária, é impensável que Portugal possa recusar uma receita idêntica. Tanto o presidente da República como o Governo conhecem muito bem essa dura realidade mas, por razões diferentes mas convergentes, tanto Cavaco Silva como José Sócrates têm boas e convenientes razões políticas para se refugiarem na retórica e adiarem, o mais possível, o seu reconhecimento.