É sempre difícil distinguir como é que os acontecimentos de cada dia, sobretudo os seus impactos, condicionam e moldam a nossa forma de estar e o futuro. Admitindo, como diz Ortega y Gasset, que haverá sempre tantas realidades quantos os pontos de vista, sendo que são estes que nos criam um panorama, podemos pretender ser o que queremos, mas que não será lícito fingir que somos o que não somos. É óbvio que os últimos tempos têm dado um grande suporte a esta dimensão do pensamento estruturado.
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Um homem será sempre ele próprio e as suas circunstâncias, o que poder explicar as razões pelas quais o ministro Manuel Heitor, pessoa séria e competente, durante a convenção sobre o Ensino Superior para a próxima década, não tratou de forma adequada o tema das propinas pagas pelos alunos, para as quais sugeriu o seu fim, permitindo na discussão subsequente uma quase banalização do tema. De tal forma que a própria reação dos reitores também não foi a mais feliz, ao reduzir a questão a uma mera aritmética financeira, em que parece que desde que o Governo transfira o valor equivalente à redução do valor das propinas em causa, ou da sua eliminação, tudo estará bem e nada se passa. O que está longe de ser verdade, face à dimensão e multiplicidade de desafios que o futuro dos jovens que frequentam esta fase do ensino encerra. Porque em política o que parece é, ninguém esteve muito bem na abordagem do tema em causa. Valeu o senso comum da população que, face ao inquérito realizado, respondeu de forma esmagadora estar contra mais este acrescento à já excessiva série de dossiers em jogo.
O presidente da República, um pouco prisioneiro do personagem que tem vindo a alimentar, telefona em direto a uma entertainer televisiva para lhe dar o seu apoio pessoal, no que foi visto por muita gente como um ato de banalidade, não desejável, na sua função. Questionando a justiça, ou injustiça da posição presidencial, o facto mais negativo deste episódio estará provavelmente na tentativa dos dias seguintes, em que os novos telefonemas realizados já não pareceram tão genuínos, antes mais uma tentativa de remediar o desconforto causado pelas muitas reações adversas.
Criar um panorama futuro com base em banalidades é sempre um risco, em especial porque esses tempos podem ser de enorme complexidade e nada banais.
*Prof. catedrático, vice-reitor da UTAD