O pior corporativismo, o verdadeiro corporativismo, é aquele que nasce e cresce no aparelho de Estado em órgãos ou instituições que se desviaram dos seus fins públicos para se colocarem ao serviço dos interesses egoístas dos seus agentes. É o que se passa, por exemplo, com os tribunais e com as universidades, cujos interesses corporativos, há muito, entraram em conflito com as suas finalidades públicas.
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Os magistrados apropriaram-se dos poderes soberanos de administrar a justiça e usam-nos mais em benefício próprio e da corporação judiciária do que em benefício dos cidadãos e da sociedade. Tudo nos tribunais está organizado mais em função das comodidades e dos privilégios de quem lá trabalha do que dos direitos e das necessidades de quem lá tem de ir.
O mesmo se passa com as universidades, as quais se tornaram um imenso sorvedouro de recursos públicos consumidos sem qualquer controlo ou escrutínio democrático devido à sacrossanta autonomia universitária. Essa velha corporação não está preocupada em servir a sociedade, o estado e o desenvolvimento, mas apenas em obter mais dinheiro, sempre mais dinheiro. Para tal mercantilizaram o ensino superior, reclamando fatias cada vez maiores do orçamento do estado (são centenas de milhões de euros todos os anos) e cobrando propinas cada vez mais elevadas aos estudantes, aos candidatos a mestrados e aos doutorandos. Mas tudo isso já não é suficiente para satisfazer o monstro despesista que irresponsavelmente criaram nas últimas décadas.
Quanto mais saturado está o mercado de licenciados, mais licenciados as universidades lançam no mercado - e cada vez pior preparados para responder às necessidades do mercado. Hoje, praticamente, ninguém reprova nas universidades portuguesas cujos cursos superiores foram reduzidos a bacharelatos travestidos de licenciaturas. Nunca a qualidade do ensino superior público foi tão baixa como hoje.
O número de professores aumentou astronomicamente e com eles a necessidade de mais servidores. Surgiram verdadeiros exércitos de docentes rigidamente hierarquizados, muitos deles sem quaisquer actividades a não ser bajular os superiores, de quem, aliás, arbitrariamente, dependem as suas carreiras académicas. Às vezes, apenas para dar ocupação a alguns desses docentes, criaram-se cursos totalmente estapafúrdios sem nenhum interesse científico ou social. A endogamia na docência tornou-se escandalosa ao ponto de o melhor atributo para se ser professor universitário é ser familiar de um professor universitário, - filho, de preferência.
No topo da hierarquia professoral estão os catedráticos muitos dos quais nada fazem de útil. Como os magistrados, também eles são vitalícios, inamovíveis, irresponsáveis e independentes. A maioria não faz qualquer trabalho pedagógico (isso é para os assistentes), dão duas ou três horas de aulas por semana (quando dão), não fazem qualquer investigação e, em geral, não publicam qualquer trabalho a não ser, por vezes, parcelas de uma remota tese de doutoramento que periodicamente vão repristinando como se fossem o resultado de investigações recentes. Muitos utilizam grande parte do seu tempo e dos meios e instalações universitárias para outras actividades incluindo privadas. No direito, a principal actividade de alguns desses professores é a de elaborar (ou apenas assinar) pareceres para todos os gostos e necessidades e cuja doutrina, às vezes, está em notória contradição com o que ensina(ra)m nas salas de aula. Alguns tornaram-se pareceristas em full time. No fim, jubilam-se como os magistrados, ou seja, aposentam-se mas mantêm todos os direitos, regalias e privilégios, incluindo os remuneratórios, como se ainda estivessem no activo.
É óbvio que, assim, são precisos recursos cada vez mais vultuosos para saciar essa espiral gastadora. Mas como a capacidade de financiamento por parte do Estado já atingiu o seu limite e como também já não podem aumentar mais as propinas, então inventaram, com as congéneres europeias, essa gigantesca fraude que é o chamado Processo de Bolonha, mediante o qual reduziram os cursos para três e quatro anos para poderem vender uma parte da licenciatura a preços de mestrado, ou seja, três ou quatro vezes mais cara.
E tudo isso só foi possível devido, por um lado, à anomia cívica de que padece a sociedade portuguesa e, por outro, à cumplicidade dos sucessivos governos em cujo seio as universidades tiveram sempre prestimosos representantes. Hoje, o mais dedicado servidor dos interesses da corporação universitária junto do poder político é o ministro Mariano Gago.