As denúncias de assédio terão consequências?
As acusações de eventuais abusos sexuais na Universidade de Coimbra fizeram regressar os média noticiosos às denúncias da mesma natureza feitas, há um ano, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, constatando-se agora que os inquéritos, então abertos, foram arquivados. Ou seja, não houve consequências. É isso que pode acontecer com os casos que envolvem a Igreja e outros que fazem o seu caminho em diferentes organizações.
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É muito difícil fazer prova de um abuso sexual, quando este envolve zonas de poder e vítimas que mantêm relações de conivência e proximidade física com os abusadores. Escutando com atenção as denúncias que envolvem membros do Clero, facilmente constatámos que os predadores escolhem pessoas vulneráveis e desprotegidas. Porque isso dá-lhes a garantia de manter tudo sob segredo, mesmo que o perímetro daqueles que conhecem o que se passa seja extenso.
Não é muito diferente no Ensino Superior. Um investigador ou um professor em início de carreira (depois de doutorar-se) é uma pessoa em equilíbrio precário dentro da academia. Todos sabem que a respetiva carreira depende de si próprio, mas, acima de tudo, das oportunidades criadas por aqueles que lhes são hierarquicamente superiores. E esse poder, que muitas vezes é concentrado, pode ser muito perigoso. E resvalar para casos como aqueles que são agora notícia. Claro que há também o outro lado: daqueles que se aproveitam desse contexto e vão tirando partido de convivências ilícitas para ir subindo na carreira. Há de tudo. E muitos desses casos são conhecidos. Poucos os denunciam ou têm coragem de quebrar essas ilicitudes.
Vir a público denunciar abusos sexuais é corajoso. Num primeiro momento, a intensa cobertura dos média encoraja outros a fazer o mesmo, mas a verdade é que, com o tempo, o agendamento mediático desaparece e, consequentemente, a atenção pública também. E tudo tende a ficar na mesma. Ou seja, nada muda para quem pisa ostensivamente linhas vermelhas. E isso não pode acontecer.
As instituições vulneráveis a este tipo de situação têm de integrar em si mecanismos que permitam a denúncia e processamento de casos destes, com os necessários requisitos de reserva, que contemplem nomeadamente o direito à defesa dos visados. Mas se e quando há razão, as maçãs podres devem ser expurgadas, pois a sua permanência vai contaminando tudo à sua volta, sob o manto de um silêncio que a todos constrange.
Hoje, sabemos que pessoas em lugares de destaque em diferentes instituições podem ter comportamentos abusivos, quer na perspetiva ética e moral, quer na perspetiva legal e criminal. Deixar que o tempo apague essas situações é abdicar da dignidade.
*Prof. associada com agregação da UMinho