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A brutalidade da dívida das autarquias tem duas consequências muitos práticas - a queda de qualidade dos serviços que prestam às populações com cujos impostos se sustentam, por um lado, e, por outro, a asfixia das frágeis economias locais, dado os atrasos nos pagamentos de curto prazo a pequenos fornecedores (são cerca de 1500 milhões de euros, 1% do PIB).
No fundo e preservadas as distâncias, estamos a falar de pequenas "Madeiras" espalhadas por todo o país. Lisboa é, por exemplo, uma pequena Madeira, no que ao endividamento diz respeito. Mostram as contas feitas pelo JN (ver página 2 desta renovada edição) que a capital tem uma dívida superior a mil milhões de euros. Colossal, no dicionário de Passos Coelho. Porquê? Porque é a maior cidade portuguesa? Sim, mas não só.
Os números mostram uma curiosa e emblemática realidade. Se o critério for o do número de habitantes, então a dívida de Lisboa, cujo concelho tem 545 mil habitantes, devia rondar os 400 milhões de euros (menos de metade do valor real). É essa a soma das dívidas de Porto e Gaia, que têm, por junto, sensivelmente o mesmo número de habitantes que a capital do país.
Donde, há que acrescentar algo mais à análise para justificar a discrepância.
Dados objetivos: as despesas com pessoal são, em Gaia e no Porto, cerca de metade da receita fiscal (o que já não é pouco). Em Lisboa, as despesas com pessoas são 75% das receitas (o que é brutal). Não há nenhuma empresa que consiga sobreviver com estes magníficos rácios. Vale o mesmo dizer que vivemos num país falido com uma capital a agonizar. Não é um retrato bonito...
A culpa é dos sucessivos presidentes de Câmara que deixaram os números chegar a este desaconselhável estado? Alguma será - e haverá, com toda a certeza, uns mais culpados do que outros. Mas o verdadeiro problema está a montante da atuação dos autarcas - e é um problema político chamado gigantismo, ou elefantíase municipal.
Está bom de ver que Lisboa cresceu para lá dos limites que a racionalidade territorial recomenda. Está bom de ver que, a partir de um qualquer momento, os criadores perderam o controlo da criatura, ao ponto de a criatura ameaçar o criador. Problema: para sustentar a criatura (isto é: para alimentar os servidores da criatura), são necessários mais e mais milhões de euros, numa insaciável espiral que suga recursos financeiros atrás de recursos financeiros.
A reforma autárquica amenizará o problema, mas não o resolverá. Desde logo porque a elefantíase municipal lisboeta não é um fenómeno conjuntural - é, sim, uma opção estrutural, resultado das políticas que têm empurrado para a capital os "emigrantes" do resto do país. A fatura paga-se, a doer, mais cedo ou mais tarde...