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Quando Arménio Carlos, líder da CGTP, diz de forma banal, à saída da Concertação Social, que "a dívida portuguesa é impagável", já poucos se espantam, atemorizam ou contestam. Mas será mesmo verdade? As autárquicas ou a manutenção do Governo jogam-se em cima da mesma palavra - dívida. As consequências de "impagável" ultrapassam a ligeireza com que a CGTP dá o facto por adquirido. Exemplos?
1. Voltemos ao último ato do ministro Vítor Gaspar quando assinou um decreto em que "nacionalizou" os nossos 10 mil milhões de poupanças no Fundo de Sustentabilidade da Segurança Social. A lei permite agora que se faça aquisição de dívida portuguesa até 90% do total - ao contrário dos 60% atuais, numa prudente diversificação de títulos de diferentes origens.
Neste momento, o Estado deve 205 mil milhões, valor a rondar os 130% do Produto Interno Bruto. Se a dívida portuguesa for impagável, que sentido faz a Segurança Social comprar quatro mil milhões de dívida pública portuguesa até ao fim do ano? Mas vejamos mais: este fundo vai começar a ser devorado pela crise, ou seja, pela demografia negativa, desemprego e aumento da esperança de vida. As contas mostravam que o fundo existia para ser gasto entre 2020 e 2040 face à natalidade negativa. Se a dívida portuguesa for impagável, este fundo está a comprar dívida incobrável. Consequência: acaba em 2030 ou antes, porque um perdão da dívida portuguesa (por exemplo) de 40% faz desaparecer 4 mil milhões de euros de descontos de uma vida inteira de milhões de portugueses.
É com base nesta dúvida que o futuro se desenvolve: a dívida é ou não impagável? Cortar mais no défice para não aumentar mais a dívida? Como pagar menos juros? (Não ter juros é uma equação quase teórica... embora sem eles as contas do Estado não teriam défice.) Se tivéssemos um perdão de dívida, teríamos menos juros. Mas quem nos emprestaria dinheiro a seguir?
2. Esta questão acaba por ter relevância autárquica. Gastar ou não gastar, eis a questão. Quando António Costa vai a Gaia apoiar o PS contra a "dívida" de Luís Filipe Menezes, parece fazer de conta que a Câmara de Lisboa só não está mais falida porque o Estado ofereceu 286 milhões de euros para compensar a venda dos terrenos do aeroporto da Portela (e não reconheceu o direito das autarquias do grande Porto a essa mesma compensação pelo aeroporto Francisco Sá Carneiro). Mais: a capital beneficia de um estatuto ímpar. Por exemplo, em 2012, recebeu 579 milhões de euros de receitas, beneficiando do facto das grandes empresas terem sede na capital e pagarem aí impostos. É três vezes mais do que o Porto (190) e quatro vezes mais que Gaia (133).
Mas a dúvida maior é esta: Luís Filipe Menezes gastaria tanto em Gaia se antes dele tivesse lá estado Fernando Gomes e não Heitor Carvalheiras? Rui Rio pôde fazer no Porto o papel de zeloso diretor financeiro porque o essencial das grandes vias e projetos de reabilitação (Polis e Porto 2001) estavam feitos. Menezes herdou uma Gaia na idade das trevas. Era possível tê-la gerido melhor? Haveria outras opções, sem dúvida, sobretudo em matéria da exageradíssima propaganda, estádios e atrasos nos pagamentos. Mas não se pode dizer que a maioria do dinheiro gasto no mais importante (saneamento, vias, escolas) não tenha uma visível utilidade pública. Quem conheceu Gaia em 2001 e compara com o dia de hoje não pode negar o óbvio.
Fica uma dívida impagável? Lisboa é a número 1 das dívidas, com passivo exigível de 659 milhões, contra Gaia, com 238 milhões. O Porto deve 111 milhões (era de 176 milhões quando Rio entrou). A dívida de Gaia não parece mais impagável que as outras, embora a cidade não possa continuar a investir como até aqui.
Os 308 municípios portugueses devem, no total, pouco mais de 8 mil milhões de euros - contra 205 mil milhões do Estado central. Gerem melhor do que a máquina centralizada do Estado, por mais que mil debates televisivos o neguem. Estas eleições de 2013 têm de refletir este ponto realista - a capacidade de fazer com pouco. Um presidente de câmara deve olhar para o dinheiro público como fermento que se junta à farinha da iniciativa privada. E qual o tamanho do pão que consegue promover? As eleições em todo o país são sobre isto: ideias-fermentos. Não sobre a "farinha pública".