O futebolista Marat Izmaylov queixava-se de dores e pouco ou nada conseguia jogar pelo Sporting, mas desde que se transferiu para o F.C. Porto, em janeiro, é vê-lo correr e jogar como qualquer outro. Ou quase: a idade sempre pesa, mas a sua capacidade técnica contrabalança. Como é da alma portuguesa, mal o russo deu os primeiros sinais de poder voltar a competir a sério não faltaram os teóricos da suspeição, aspergindo tudo e todos. A ponto de, ontem, um elemento do corpo clínico do Sporting ter sido obrigado a esclarecer publicamente que "a dor é sempre um parâmetro subjetivo".
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O exemplo de Izmaylov não podia vir mais ao caso neste sábado em que, a preceder mais um apaixonante Sporting-FC Porto, teremos esta tarde mais uma manifestação sob o lema "Que se lixe a troika, o povo é quem mais ordena". Porque, bem vistas as coisas, é de dores que estamos a tratar. E como elas podem ou não ser eliminadas ou superadas.
O que parece mostrar o caso Izmaylov é que há dores que podem ser superadas e até eliminadas se mudarem as circunstâncias que rodeiam o paciente. É uma possibilidade muito forte se atendermos às qualificações e competências que estão por detrás dos resultados desportivos do Sporting quando comparados aos do F.C. Porto.
Do mesmo modo, as dores que os portugueses vão manifestar esta tarde talvez pudessem ser debeladas, caso as circunstâncias pudessem ser alteradas. Mas para tal seria necessário que, a exemplo do futebol, houvesse alternativa.
Para que todos ou pelo menos a maioria dos portugueses que se queixam das dores sociais da austeridade possam aspirar a algum alívio, é imperativo que o PS consiga criar uma alternativa governativa à da atual maioria PSD/CDS-PP. O que ainda não é patente. E só o será quando o comum dos portugueses souber quanta dor poderia ser aliviada e em quantos mais anos seria obrigatório esticar os prazos dos reembolsos da ajuda financeira internacional em curso.
Tal como Izmaylov no Sporting, as dores que os portugueses manifestam parecem em vias de se tornar crónicas, porventura incuráveis para uns e geradoras de gravíssimas enfermidades para outros.
Se o pior acontecer, se a maioria dos portugueses com dores sociais não conseguir seguir as pisadas de Izmaylov, o mais provável é que o próprio sistema político, com os atuais partidos, deixe de ser considerado eleitoralmente como gerador de alternativas para além da pobre alternância que decorre do uso e desgaste de quem exerce o poder.
Não esqueçamos que numa sondagem publicada pelo JN em 20 de setembro último, 78% dos portugueses estavam desiludidos com a democracia, 77% achavam que este Governo era pior ou igual ao de Sócrates e 61% não acreditavam nos projetos da oposição.