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As economias emergentes sempre me fascinaram. Pelo seu potencial, pelas complexas realidades sociais, pelos paradoxos. As imagens dos brasileiros em protesto contra o aumento dos transportes públicos e as notícias de que o desemprego qualificado dispara na China convocam-me para uma reflexão sobre algumas das difíceis equações que se colocam nestes gigantes emergentes.
No Brasil, as luzes de alarme intensificaram-se quando a 6 de junho a Standard & Poor's cortou o outlook do rating da nação de estável para negativo, invocando o fraco crescimento económico, o aumento da despesa pública e uma certa perda de credibilidade da política económica. A menor procura de matérias-primas por parte da China, a recessão instalada na Europa e a recente recuperação da economia americana, entusiasmada com as perspetivas do gás e petróleo de xisto (shale oil) estão a arrefecer as perspetivas macroeconómicas e o Brasil parece ser um dos mais afetados. Desde 2011, o seu crescimento tem sido menor e a inflação maior do que na maioria dos países da América Latina.
O discurso político do Governo brasileiro é hoje mais contido e as inesperadas dificuldades estão a limitar a capacidade de realizar despesa pública, pelo menos ao nível a que os brasileiros se começavam a habituar.
A fórmula de atualização anual do salário mínimo através da soma da inflação e do crescimento do PIB dos anos anteriores está a revelar-se uma equação de equilíbrio muito precário. Por exemplo, no ano de 2012, o salário mínimo foi aumentado em 14% enquanto o PIB cresceu uns modestos 0,9%. Como os benefícios sociais suportados pelo Estado estão indexados ao salário mínimo, a despesa disparou.
Por muito que as previsões do Governo apontem para um sustentável superavit primário (saldo orçamental antes de juros da dívida) de quase 2% do PIB em 2013, valor que cai para um défice de 3% se forem contabilizados os juros, a verdade é que este cenário considera um crescimento do 3% do PIB. Parece irrealista. A pressão sobre a despesa pública está aí e haverá necessariamente austeridade, de que o aumento dos transportes é mais um sinal.
Dilma enfrenta agora um dilema. Prometeu manter até 2015 a regra da atualização do salário mínimo. Pretende, naturalmente, fazer-se reeleger. Mas não pode deixar deslizar as contas públicas nem exagerar nos mecanismos de estímulo ao consumo interno, face ao risco de subida de uma inflação já nos limites. Uma equação muito difícil, cuja resolução não será facilitada pelos protestos na rua, nem pelas reações musculadas das autoridades.
A China enfrenta também um sério nó górdio. Este ano, o Ensino Superior do gigante asiático vai produzir um número recorde de 7 milhões de graduados, metade dos quais não tem perspetivas reais de emprego. Para se ter uma ideia de escala, os Estados Unidos graduam cerca de 3 milhões de jovens por ano.
Segundo Wenyan Ma, do Forum Económico Mundial, o problema reside num modelo económico chinês que privilegia o comércio de exportação e o investimento em infraestrutura, mas que é lento na criação de empregos qualificados de maior valor acrescentado. O menor crescimento do PIB, habituado a taxas de dois dígitos e agora na zona dos 7 a 8%, também não ajuda. Estima-se que a quebra de 1% do PIB chinês corresponda a um decréscimo de 1 milhão de empregos.
O exército de desempregados graduados que se vêm acumulando ao longo dos últimos anos vive nos subúrbios das cidades e é já conhecido como a "tribo das formigas", devido ao seu baixo estatuto social, às más condições de vida e à forma frenética como procuram emprego.
As autoridades chinesas estão muito preocupadas, porque sabem que uma massa de alguns milhões de de-sempregados, com formação superior e cultura urbana, pode ser uma bomba-relógio pronta a estourar nas ruas, mesmo perante uma qualquer pequena faísca de ignição. Assim, deram já instruções às empresas públicas para criarem estágios e outros mecanismos que mantenham estes jovem ocupados.
Brasil e China entraram no clube das economias globais. Crescem, abrem--se e modernizam-se. Ainda bem. Mas há um preço. O quadro de reivindicação, escrutínio e prestação de contas à sociedade altera-se, num jogo bem mais exigente que as democracias desenvolvidas bem conhecem.