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Cavaco Silva e Manuel Alegre são dois candidatos já dados como certos às próximas eleições presidenciais. Certamente que outros surgirão, mas a eleição irá decidir-se entre ambos. Para já, a grande curiosidade consiste em saber se aparecerá outro concorrente na área do PS, que repita o cenário de há cinco anos entre Alegre e Soares. Mas, mesmo que isso aconteça, dificilmente Manuel Alegre deixará de ser o candidato oficial do PS. Em bom rigor, esse estatuto só poderia ser ameaçado por Jorge Sampaio ou António Guterres, que, definitivamente, não estão interessados nisso.
As eleições presidenciais têm sido decididas por uma franja do eleitorado que, nas legislativas, ora dá maioria absoluta ao PSD, ora ao PS. Assim foi nas eleições de 1980 (entre Eanes e Soares Carneiro), nas de 1986 (entre Freitas do Amaral e Soares), nas de 1996 (entre Sampaio e Cavaco) e nas de 2006 (entre Cavaco, Alegre e Soares), que Cavaco venceu na 1ª volta. Com excepção destas últimas, os resultados foram sempre favoráveis aos candidatos apoiados pela esquerda devido à sua postura moderada. Em 2006, o discurso algo radical de Alegre retirou votos a Mário Soares, mas empurrou aquela franja do eleitorado moderado para o lado de Cavaco Silva.
E o mesmo pode vir a acontecer nas próximas eleições, pois Alegre ainda não logrou transmitir uma imagem de moderação, como se pode constatar pelo facto de o primeiro e único apoio partidário que recebeu até ao momento ter sido o do Bloco de Esquerda, ou seja, do partido situado na extrema-esquerda do actual espectro político-partidário.
E se, por um lado, Alegre foi incapaz de conter os apoios prematuros, por outro, não soube aguardar pelo apoio do seu partido antes de anunciar a candidatura. Por isso, e apesar de ser militante do PS, ele é, para já, apenas o candidato do BE. E não tendo este partido fixado ainda um eleitorado próprio (como se viu nas últimas eleições autárquicas), é óbvio que esse apoio trará mais benefícios ao partido apoiante do que ao candidato apoiado.
Além de ainda não ter o apoio oficial do seu próprio partido, Alegre terá também de contar com aqueles que do interior do PS recusam abertamente a sua candidatura e apelam à emergência de outro candidato socialista.
Por isso, quando o PS assumir a candidatura de Alegre, toda a gente saberá que esse apoio não será unânime nem politicamente estratégico, pois não resultará de uma genuína opção interna mas de uma imposição externa, decorrente de um facto consumado. Pairará sempre a ideia de que, se o PS tivesse podido decidir "livremente", o seu candidato não seria Manuel Alegre. Neste quadro, a sua candidatura vai servir de pretexto para ajustes de contas antigas por parte de figuras do PS a quem Alegre criou dificuldades no passado.
Quanto a Cavaco Silva, as perspectivas também não são muito risonhas, pois não é líquido que consiga ser reeleito, muito menos com a facilidade com que o foram Mário Soares e Jorge Sampaio, que, praticamente, não tiveram oposição quando se recandidataram.
Mário Soares provou que um mau primeiro-ministro podia ser um bom Presidente da República e Jorge Sampaio demonstrou que para ser um bom Presidente da República não era sequer necessário ter sido primeiro-ministro. Porém, Cavaco Silva terá ainda de provar que um bom primeiro-ministro também pode vir a ser um bom Presidente da República.
Ao contrário dos seus antecessores, tudo indica que Cavaco irá ter mais dificuldades na reeleição do que teve na eleição. E isso deve-se não só às permanentes crispações com o Governo mas também a alguns escândalos que ocorreram durante o seu mandato. Com efeito, o caso BPN não deixará de surgir como uma nuvem a ensombrar a sua campanha eleitoral, não só porque os principais dirigentes desse banco pertenceram à elite político-financeira do PSD quando ele era primeiro-ministro, mas sobretudo, devido à sua incapacidade de se libertar a tempo de figuras políticas pouco recomendáveis que apareceram envolvidas nesse escândalo.
Por fim, as intrigalhadas político-jornalísticas protagonizadas no verão passado por um dos seus principais assessores e a inabilidade que o próprio Cavaco Silva revelou para tratar o assunto, não deixarão de constituir trunfos para os seus adversários.
Seja como for, será interessante acompanhar o debate eleitoral protagonizado entre um professor de finanças de direita, que já foi primeiro-ministro, e um poeta de esquerda, que foi resistente antifascista.
