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As escutas telefónicas voltaram a ser objecto de fortes críticas e discussões públicas recorrentes, colocando alguns a hipótese de reflexão sobre a utilização deste meio de obtenção da prova. É certo que há abusos. Quer na duração excessiva das mesmas, relativamente ao mesmo suspeito ou arguido, quer à quantidade impressionante das mesmas a serem efectuadas em investigações que porventura não cumprem os requisitos imperativos expressos na lei. Certa é também a complexa e quase impossível tarefa de legislar sobre o bom senso e a interpretação que magistrados do MP e JIC fazem do conteúdo do art.º 187 do CPP. Determina a norma que a realização de escutas, como meio de obtenção de prova, só pode ser autorizada durante o inquérito e se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter. A decisão é do JIC, sob promoção do MP, e devidamente fundamentados no mesmo normativo são elencados os crimes relativamente aos quais se pode recorrer à realização de escutas. Entre eles, cabe realçar os crimes puníveis com pena da prisão superior, no seu máximo, a três anos, o tráfico de estupefacientes, o tráfico de armas, terrorismo, criminalidade violenta e/ou altamente organizada, sequestro, rapto, tomada de reféns, crimes relativos às violações do direito internacional humanitário, para citar os mais repetidos. Tendo como referência a gravidade dos crimes identificados, é óbvia a essencialidade da utilização deste meio de obtenção de prova, desde que se verifiquem, no caso concreto, os requisitos essenciais e necessários expressamente expostos na lei. Tentando prevenir os eventuais abusos que continuavam a ser cometidos, o legislador introduziu uma actualização no normativo, impondo um prazo limite de três meses, renovável por iguais períodos, desde que se verifiquem os já citados requisitos. Sendo este meio um dos mais intrusivos nos direitos fundamentais do cidadão e na vida privada, parece-me óbvio que os três meses, renováveis por igual período podem significar anos continuados de escutas. Sopesando os valores antitéticos entre o direito de cidadão à reserva da vida privada e a urgência e necessidade de combate à criminalidade mais grave, considerando a exponencial utilização deste meio de obtenção de prova em criminalidade de gravidade média, é de minha opinião que o normativo em causa apenas poderá ser aperfeiçoado, no sentido de as escutas só poderem realizadas, nos processos em que estiverem em causa crimes puníveis com pena de prisão superior a cinco anos, sem prejuízo da sua utilização nos restantes casos citados. Por outro lado, deverá determinar-se um prazo máximo para as escutas continuadas, sem prejuízo de posterior avaliação e reconsideração, conforme a evolução da investigação.
A autora escreve segundo a antiga ortografia