Os escândalos em redor da Caixa Geral de Depósitos confirmam o erro de presumir que a gestão do Estado garante o interesse público. O que vamos conhecendo ilustra como o Estado pode, por vezes, ser capturado por interesses privados. Nalguns casos, o interesse público fica ainda menos protegido, pois esses interesses privados beneficiam do poder e força do Estado sem estar sujeitos ao controlo que resulta da concorrência no mercado.
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Especialmente durante o Governo socrático, a Caixa parece ter sido ocupada por uma rede de interesses privados que usava o Estado para viver fora da disciplina do Estado e do mercado. Mas esse período também nos alerta para os riscos de confiar excessivamente no mercado. É que também então foi visível como um mercado dominado por alguns privados pode estar ao serviço de um poder e não da liberdade.
Talvez isto seja uma oportunidade para refletir sobre a forma como tratamos Estado e mercado no nosso debate político. Há muitos anos que alerto para o desvirtuamento desse debate em resultado de uma falsa associação entre Estado e interesse público, de um lado, e mercado e liberdade, do outro. Estado e mercado não são ideologias. São processos de decisão. São dois processos alternativos de agregar, organizar ou coordenar os diversos interesses individuais e que se distinguem por assentar em mecanismos de participação e expressão dessas preferências individuais diferentes. Num caso, na origem está o voto e a forma como o que é decidido, em termos muito gerais, se concretiza através da cadeira hierárquica de funcionamento do Estado. No outro caso, as decisões resultam daquilo que voluntariamente decidimos ou não contratar com outros no mercado.
Estas diferenças parecem indicar que o Estado seria a forma de definir o interesse coletivo enquanto o mercado protegeria a nossa liberdade. A escolha ente Estado e mercado seria assim uma escolha entre interesse coletivo (público) e liberdade.
Mas não é assim. Não existe nenhuma associação automática ou causal entre cada uma destas instituições e um particular valor político. Como vimos com a CGD, o Estado pode ser facilmente capturado por alguns interesses privados (não apenas por corrupção, basta pensar no desequilíbrio entre o poder de protesto e de se fazer ouvir de diferentes interesses). E o mercado cria com frequência situações de poder que limitam a liberdade. São instituições imperfeitas e como tal devem ser tratadas. Para podermos decidir bem entre essas instituições, ou combinações de ambas, era bom começarmos por assumir essas imperfeições e abandonar escolhas idealizadas e politicamente falsas.
Professor universitário