Corpo do artigo
A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) publicou, há dias, um documento importante que passou mais ou menos despercebido. Intitulado "Esperança em tempos de crise", o texto lembra, entre outras coisas, as culpas que a "ditadura económica do capital" tem na crise em que estamos mergulhados e os "infernos de pobreza e injustiça" que por aí pululam e pulularão durante muito tempo (a menos que Zeus, dono do céu e do trovão, se coloque ao lado do ministro da Economia e ponha fim à crise já em 2012).
As feridas sociais criadas e potenciadas pela brutal tempestade que paira sobre as nossas cabeças demorarão anos e anos a sarar. A História encontrará os culpados: para já, importa salvar o que pode ser salvo, partindo, antes de mais, do princípio de que há muitas coisas que, lamentavelmente, não poderão ser salvas (como a perda de emprego de muita gente que não voltará ao mercado de trabalho) e outra tantas coisas que não merecem ser salvas (como empresas públicas tipo sorvedouro inútil).
Este esforço para salvar o que pode ser salvo exige, antes de tudo o mais, juízo de quem decide. Por exemplo: a chanceler Merkel e um par de apaniguados perceberam a tempo o elevado grau de estupidez que acompanhava a decisão de retirar muitos milhões de euros aos programas de ajuda alimentar. Em causa estava a redução dos apoios a 18 milhões de cidadãos carenciados (400 mil em Portugal) em toda a União Europeia.
Exemplo de sentido contrário: o estúpido braço-de-ferro que a Banca portuguesa tem em curso com o Governo. Mais uma vez, a História tratará de encontrar os culpados, mas, para já, o que se pede a banqueiros e governantes é juízo. "Os infernos de pobreza e injustiça" - esta frase deveria estar escrita, em letras gordas, num cartaz colado na parede do compartimento em que Governo e Banca desembainham as espadas e esgrimem argumentos. A desavença é uma espécie de bomba-relógio, uma loucura, uma irresponsabilidade.
Há dias, Pedro Santos Guerreiro, director do "Jornal de Negócios", escrevia a este propósito: "Governo e Banca dependem demasiado uns dos outros para matarem sem morrerem". Inteiramente de acordo. Com um pequeno acrescento: importa pouco saber, nesta altura, se a Banca teme ser capturada pelo Governo, isto é, se teme passar de predadora a presa. É evidente que o Estado vai ter que entrar no capital dos bancos, pelo que sobra apenas discutir, com seriedade e serenidade, os termos da entrada e da saída. O que realmente importa é que uns e outros percebam o alcance do que diz a CEP. Os "infernos de pobreza e injustiça" são um perigosíssimo bumerangue, que atingirá em cheio a Banca e o Governo. Isto é: que, logo, nos atingirá em cheio a todos nós, incautos contribuintes. Ora, se há coisa de que não precisamos, é de uma espúria guerra entre poderes que nos atinja. No bolso, claro!