As golas antifumo não inflamam, apenas perfuram. Mas o "Ensaio de golas" (assim designado o relatório preliminar sobre a resistência deste equipamento ao fogo) nada conclui sobre os efeitos da libertação dos tóxicos, nem sobre o perigo de queimaduras para o ser humano quando submetidas ao calor.
Corpo do artigo
"Não houve tempo", diz Xavier Viegas, o coordenador do estudo que, ainda assim, não aconselha as populações a recorrerem à peça de tecido mais escrutinada do país. Isto apesar de a Proteção Civil, na reação ao mesmo relatório, garantir que os cidadãos "podem continuar" a utilizá-las. Confuso?
Vamos por partes: o Estado gastou 125 mil euros a adquirir as golas que, reza a narrativa, não eram para proteger, mas apenas para, digamos assim, dar prestígio. As golas foram fornecidas por ajuste direto por uma empresa de animação turística detida por um empresário casado com uma autarca do PS, ao dobro do preço de mercado. Mas o secretário de Estado Artur Neves não sabia de nada, porque, segundo ele, fora tudo decidido pela Proteção Civil. Que ele tutela. Porém, foi o seu adjunto no Governo, que antes de ser adjunto era padeiro em Gaia, que se demitiu em face das inflamáveis incongruências. A responsabilidade já não era da Proteção Civil. Mas para esclarecer tudo, a Procuradoria-Geral da República mandou instaurar um inquérito à compra dos kits de incêndio. E agora há o risco de os fundos europeus usados para custeá-los terem de ser devolvidos.
Mas depois descobriu-se que as golas camuflavam outros fogos: o filho do secretário de Estado celebrou contratos públicos enquanto o pai era governante, em aparente desrespeito por uma lei das incompatibilidades que traça fronteiras claras entre família e negócios e que, no limite, pode ditar o afastamento do Governo do também ex-autarca de Arouca. Mas Artur Neves jurou que não sabia de nada nem interveio em nada. Por isso não se demite. E para que não haja dúvidas, o primeiro-ministro pediu, de forma hábil, ao Conselho Consultivo da mesma Procuradoria que tirasse a limpo os contornos desta lei que ninguém respeita. Para suscitar a dúvida jurídica e criar um parêntesis político que pode ser fechado depois de ganhas as eleições.
O ensaio de golas é, na verdade, um atabalhoado ensaio sobre a cegueira política de um Governo que tenta por todos os meios sair de uma armadilha que ele próprio criou. E à qual, muito provavelmente, vai sobreviver sem uma única queimadela.
*Diretor-adjunto