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A Governo e Oposição - pelo menos a capaz de constituir-se em alternativa - não é curial pedirem-se entendimentos por tudo e por nada. Não obstante as diferenças ideológicas legitimarem fórmulas diferentes de moldar o país, já é do domínio da irresponsabilidade e do eleitoralismo fácil o vincar permanente de barricadas. Pior só mesmo essa outra característica de os posicionamentos não se identificarem pela via partidária mas sim por se estar ou não no poder.
O país carece, há demasiados anos, de alguns pactos de regime através dos quais se tenham certezas sobre o médio prazo. Infelizmente, obtê-los é do domínio ficcional, tamanhas as clivagens e a necessidade de prometer o diferente. A mesa do Orçamento do Estado dispõe de um bolo demasiado pequeno para ser distribuído por tantos interessados.
Muito próximas, duas datas marcam por agora clivagens acentuadas entre os partidos do Governo - PSD e CDS - e a única alternativa séria - o PS. O fim previsto do programa de assistência financeira a 17 de maio e as eleições europeias marcadas para 25 de maio são peças-chave alimentadoras de dissonância; uma espécie de jogo do gato e do rato sobre espuma....
Não é necessário ser-se bruxo para adivinhar o comportamento dos partidos do chamado arco da governação até maio. PSD e CDS-PP, condenados há muito a uma coligação para as eleições europeias, enxameiam o espaço público de estatísticas e mais estatísticas retratadoras da saída do país do estado de coma, embora mantendo-se na Unidade de Cuidados Intensivos; e o PS, contrafeito pelos números mas respaldado pela impossibilidade prática de a recuperação já se notar no bolso do cidadão comum, mantém o acinte e continua no seu soberbo esforço de fazer de conta nada ter a ver com a pré-falência, a chamada à pressa da troika, a assinatura do memorando e por aí fora....
As cambiantes de competição do trio de dissidência é um faz-de-conta pegado. Com ou sem programa cautelar, as políticas dos próximos anos jamais deixarão de obedecer aos ditames da Europa e de um Tratado Orçamental exigente, votado pelos três na Assembleia da República e cujo conteúdo não permite aventureirismos: obrigatoriedade de o défice não atingir valor superior a 0,5% do PIB e uma dívida pública máxima de 60% do PIB.
Se mete impressão o seguidismo austero de Passos Coelho e é falacioso o discurso de Paulo Portas ao considerar o 17 de maio como o Dia de uma nova Restauração, soarão desafinados mais tarde os acordes de António José Seguro sobre um amanhã que recusa cortes na despesa teorizados por uma via de crescimento. No mais, os resultados internos das eleições europeias preocupam os detentores dos poderes partidários na justa medida em que delas sairão maiores ou menores ondas telúricas de oposição....
Entretidos por sistemáticos discursos de passa-culpas pela falta de pontos comuns, os responsáveis pelos partidos políticos ainda não perceberam algo de essencial: o eleitorado já não está para aturar guerrilhas de alecrim e manjerona e espelha a insatisfação nas urnas de voto.
Sobretudo PSD e PS - Passos Coelho e António José Seguro, se se preferir... - têm indisfarçável responsabilidade na inexistência de um bloco forte de entendimento sobre quais as grandes linhas de orientação pelas quais deve reger-se o país. Ora um ora outro usam a arrogância e a altivez; são coniventes na deselegância recíproca e alimentam a conveniência (errada) de ambos: o diálogo de surdos. E nem a necessidade de apresentação de um Documento de Estratégia Orçamental, obviamente pendente da aprovação da União Europeia, os leva a um esforço de entendimento, fazendo de conta não terem nada a ver com o Tratado Orçamental entretanto subscrito - até antes da Alemanha!
A aproximação do fim do ciclo da troika e o sufrágio das europeias acabam por ser um novo patamar de desinteligência. Mas apenas estratégica. De facto, se já de pouco vale o discurso mentiroso das campanhas eleitorais, é pena mas real: a autonomia das políticas nacionais manter-se-á depois de maio em rédea curta e disporá de regras por todos aceites. A mal, talvez, mas impostas.