Corpo do artigo
O presidente da Câmara de Viseu e também líder da Associação Nacional de Municípios (ANMP), Fernando Ruas, foi ontem condenado, em tribunal, a 100 dias de multa, à taxa diária de 20 euros, o que quer dizer que vai ter que desembolsar 2000 euros. Motivo: em 2006, em plena Assembleia Municipal, Ruas incitou os autarcas do concelho a "correr à pedrada" (sic) os vigilantes da natureza. Parece que os ditos vigilantes se opunham a determinadas obras que os presidentes das juntas queriam fazer. Vai daí, Fernandos Ruas, homem de sangue quente, sugeriu-lhes: "Arranjem lá um grupo e corram-nos à pedrada. A sério, nós queremos gente que nos ajude e não que obstaculize o desenvolvimento. Estou a medir muito bem o que estou a dizer"...
Trata-se de um "fait divers"? Não acho. Se há coisa de que a política não precisa é de exemplos destes: eles apenas menorizam ainda mais uma classe que é olhada de soslaio pela opinião pública. O famigerado gesto de Manuel Pinho no Parlamento, que ditou o seu afastamento do Governo, ou a recente troca de impropérios, no mesmo Parlamento, entre deputados do PS e do PSD são igualmente exemplos condenáveis. Há um módico de bom senso - e de cidadania - que a classe política não pode e não deve malbaratar.
Verdade que a condenação é simbólica. Verdade que Fernando Ruas se arrependeu. Mas repare-se nas reacções que a punição suscitou, para se entender até que ponto atitudes como esta despertam os sentimentos mais insanos.
Comovido, o líder dos autarcas sociais-democratas, Manuel Frexes, definiu como "ridícula" a multa aplicada ao presidente da Câmara de Viseu. Disse mais: a decisão representa um "excesso de zelo" e "não dignifica ninguém". Isto é: Frexes não vê mal nenhum no facto de o líder da ANMP incitar à violência. Supõe-se, portanto, que ele próprio diria o mesmo, caso alguém se atrevesse a "obstaculizar o desenvolvimento" lá da terra, mesmo que pelos melhores motivos.
E os presidentes de juntas de freguesia do concelho de Viseu? Bom, esses estão mesmo dispostos a quotizar-se para ajudar o presidente da Câmara a pagar a multa de 2000 euros. Perante tamanha demonstração de carinho, Ruas verterá seguramente uma lágrima no próximo comício partidário...
A isto chama-se populismo e seguidismo. E irresponsabilidade. Os factos são o que são: Fernando Ruas cometeu uma falha grave e foi punido por isso. Restava aos seus apoiantes acatar a decisão do tribunal e esquecer o assunto. Mas não: para o caso de Fernando Ruas ficar triste e isolado, ei-los a acarinhar o autarca. Vale o mesmo dizer: ei-los a sufragar um crime. São gostos - e os gostos não se discutem.