Há 16 anos, em Gaia, assumi a governação em todos os capítulos com sentido estratégico. Isto significa compaginar o tratamento das questões do quotidiano com a antevisão e projeção das necessidades e planos de médio/longo prazo. É assim que se deve governar a todos os níveis. Numa autarquia, num país ou num grande espaço supranacional.
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Saneamento básico, habitação social, construção de vias estruturantes, reabilitação da costa de mar e do Centro Histórico foram preocupações imediatas, mas a forma como se podia dar mais consistência prática à boa interfuncionalidade das duas maiores cidades da Área Metropolitana, Porto e Gaia, tornou-se numa prioridade estratégica.
Foi assim que, logo nos primeiros meses de mandato - em partenariado com Fernando Gomes e Nuno Cardoso -, fizemos ambas as câmaras aprovar uma associação responsável pela conceptualização de projetos de interesse comum. Pouco tempo passou até aparecerem três ideias concretas - a construção de uma ponte pedonal a unir as duas ribeiras, a implementação de um projeto de táxis fluviais a unir as duas margens e a construção de um teleférico a ligar o Cais de Gaia ao Palácio de Cristal (convém acentuar que dois destes projetos seriam concessões, portanto sem qualquer custo para os cidadãos).
Pouco tempo depois, a Câmara do Porto que se seguiu na governação desistiu desta parceria e Gaia ficou sozinha a pensar o futuro.
A ideia de novas travessias tinha a ver com o facto de se considerar cada vez mais Gaia e Porto, pelo menos no funcionamento, com uma lógica unitária semelhante a outras urbes divididas a meio por um rio de largura não muito expressiva - Paris, Budapeste Frankfurt, etc.
A ideia assentava também no facto de ser previsível que a desativação do tabuleiro superior da Ponte Luís I ao trânsito automóvel não ia ser compensada com a construção da Ponte do Infante, mas, principalmente, pela previsão de estarmos a caminhar para uma saturação das pontes do Freixo e da Arrábida, que suportam o trânsito local em parceria com o boom de tráfego inter-regional Sul-Norte e vice-versa.
O tempo deu-nos razão. Todos sabemos a que conduz um pequeno acidente prolongado no tabuleiro de uma destas duas pontes. Para por horas, com todas as consequências conhecidas - económicas, sociais, ambientais - toda a Área Metropolitana.
Assim, logo a partir de meados da década passada, passamos, em partenariado com o gabinete do prestigiado engenheiro de pontes Adão da Fonseca, a desenvolver uma ideia/plano de médio prazo. Ao contrário do que maldosamente foi afirmado, nomeadamente na última campanha eleitoral autárquica, sabíamos que era um projeto para uma vintena de anos e cujo financiamento teria de ser rigorosamente ponderado.
Com uma exceção, a ponte pedonal, a unir as duas ribeiras, seria para avançar de imediato. Porque era uma pedra-chave para dinamizar a movida turística entre as duas margens, onde estão centrados alguns dos principais ex-líbris da região - o Centro Histórico do Porto e as caves do vinho do Porto. Para além do mais, seria um investimento acessível e com financiamento garantido no último QREN - só para que se tenha uma ideia do que se está a falar, essa ponte custaria mais ou menos o que custou o Centro de Alto Rendimento Olímpico em Gaia ou a reabilitação das ruas Mouzinho da Silveira e Flores, no Porto!
Numa perspetiva de médio/longo prazo, em projeto apresentado em 2011, apontávamos mais três possibilidades a construir até 2025! Uma ponte à cota baixa, a unir o Candal a D. Pedro V, uma à cota média, a unir Oliveira do Douro ao extremo oriental das Fontainhas e um "famigerado túnel" a dar continuidade à frente atlântica do Porto e Gaia.
As duas pontes visavam retirar da Arrábida e do Freixo o tráfego citadino das zonas urbanas muito habitadas de Oliveira do Douro, Mafamude e Santa Marinha, do lado gaiense, e Massarelos, Lordelo e Bonfim, do lado do Porto. O túnel era uma aposta na harmonização do desenvolvimento socioeconómico de toda a frente marítima.
No total, estas travessias custariam cerca de 120 milhões de euros - 6 a 8 a ponte pedonal, 15 a 20 cada uma das outras duas e 75 o vilipendiado túnel. Em quase 20 anos, com o apoio de fundos comunitários!
Mas vale a pena acrescentar alguns dados. Nos últimos 25 anos, os portugueses pagaram mais de 2000 milhões de euros em travessias na cidade de Lisboa, a Ponte Vasco da Gama e a travessia ferroviária da Ponte 25 de Abril. No mesmo período de tempo, os dinheiros públicos investiram 140 milhões de euros (menos de 10% do investido em Lisboa) em atravessamentos tripeiros - 100 na Ponte S. João, 20 na Ponte do Infante e menos de 20 no viaduto do Freixo. Todos sabemos que o Tejo é muito mais largo, mas mesmo assim não me consta que tenhamos sido compensados através de qualquer outra via.
Neste quadro, é de apoiar o facto de os autarcas do Porto e Gaia virem agora repegar nestas ideias e não devem perder de vista que, mesmo no quadro catastrófico de dificuldades financeiras em que vivemos, se a ponte para servir o TGV Lisboa-Madrid avançar, custará "só" mais 1500 milhões de euros.
É, pois, claro que o rigor e as contas à moda do Porto podem e devem ser compaginadas com olhos abertos e atitude combativa, na defesa da equidade dos meios utilizados junto ao Tejo e junto ao Douro.