<p>O combate que se está a travar não é aquele cujo resultado conheceremos no domingo. É por isso que são mais mportantes as reacções ao que diz Cavaco Silva vindas do Governo do que vindas de Manuel Alegre.</p>
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A semana que passou ficou marcada pelo facto de Portugal ter conseguido suscitar o interesse dos mercados na nossa dívida e de ter obtido um juro mais baixo do que aquele que estava a ser pago e que se julgava pudesse ser o padrão. Não foi. Foi mais baixo. Mas ainda assim suficientemente alto para, umas horas mais tarde, já depois do suspiro de alívio dos espanhóis (que colocaram a sua divida no dia seguinte) ter aparecido um Prémio Nobel da Economia, Paul Krugman, a considerar que os juros que Portugal vai pagar são elevadíssimos e que, por isso, a operação de colocação de dívida foi "um sucesso ruinoso".
O tempo não vai de feição para os economistas, como em tempos não foi para os juristas que ocupavam os lugares de poder. Ou seja: os tempos não vão bons para os que fazem previsões. E os economistas têm sérias responsabilidades, porque a verdade é que se chegou a esta crise mundial bem mais depressa do que nos seus cálculos e, nalguns casos, até por sua culpa.
Em Portugal, a colocação da dívida dividiu opiniões, entre a natural alegria de quem governa e as reservas de quem faz oposição. É por isso que mais estranheza causou que Cavaco Silva, dito o árbitro, tenha precisamente escolhido o dia anterior, em que tudo o que se dissesse poderia ter efeitos, para apregoar os riscos de uma crise aguda em Portugal.
Os tempos da cooperação estratégica estão distantes e possivelmente não voltam mais. Cavaco arvora-se no único que é sério, no único que sabe, no único que avisou. É um discurso só possível num candidato que está seguro de ir ganhar por margem larga e que por isso mesmo não será questionado nem por outro candidato com peso (os candidatos mais "leves" questionam-no, mas vozes de candidato fraco não chegam ao candidato forte), nem por um Governo em clara perda de influência e de credibilidade.
Mas, se a situação algum dia se inverter, se Sócrates recuperar popularidade e confiança dos eleitores, Cavaco terá de explicar não a compra e venda de acções no BPN nem os terrenos da sua casa do Algarve, mas sim a relação entre o que hoje diz como presidente e a sua prática como primeiro-ministro, pois o acumular de défice tem anos e anos e anos, a estagnação da economia vem muito de trás e a má gestão da coisa pública não é certamente apanágio dos governos de Sócrates ou do Partido Socialista.
É que o combate que se está a travar não é aquele cujo resultado conheceremos no domingo. O combate é outro, tem de um lado (ainda) Cavaco e, de certa forma, Passos Coelho (próximo protagonista desse mesmo combate) e do outro o PS e Sócrates. É por isso que são mais importantes as reacções ao que diz Cavaco Silva vindas de José Sócrates e do Governo do que vindas de Manuel Alegre. Aliás, em termos de disputa de poder, quem não quebra é José Sócrates: se a ameaça vem do FMI, ele tenta colocar a dívida noutros pontos, chamem-se eles China ou Qatar.
Como esta semana escrevia António Vitorino, são cada vez mais os que "compreendem que sem soluções que contenham o risco de contágio rapidamente chegaremos a "casos pesados" (Espanha, Itália, a própria Bélgica) cujo impacto (e custo!) representará uma séria ameaça à estabilidade do euro no seu conjunto". Se esse momento chegar, a Europa reagirá e Sócrates talvez respire de alívio até ao próximo Orçamento de Estado, a menos que não cumpra as metas estabelecidas ou descure a execução orçamental, e caia sem apelo, mesmo que evite, agora, a vinda do FMI.