<p>A campanha para a eleição do presidente da República começou como há-de terminar: vácua, para dizer o mínimo, no plano das ideias e do debate sobre o que realmente interessa; entretidíssima no plano da troca de piropos e na profusão de frases para encher o ouvido do incauto. Enfim, nada que os especialistas da comunicação não tenham já estudado aturadamente: o compromisso com a realidade cede o passo à verborria conflitual (e por vezes conflituosa) que, à falta de melhor, os média reproduzem com deleite.</p>
Corpo do artigo
Atentemos nos exemplos. Defensor de Moura diz , ainda à boleia do caso BPN, que a "entourage" de Cavaco Silva anda a tentar pintar o país todo de preto, para que nem o preto se entenda (bela teoria!). E, arrastando para o lamaçal Manuela Ferreira, senhora de insuspeita idoneidade, pede com urgência a demissão do chefe de Estado. Réplica de Cavaco: não responde a loucos.
Cavaco Silva, por seu turno, seguramente embalado pelo calor dos apoiantes, passou um raspanete ao Governo, via ministro da República, ao achar "lamentável" (sic) que o país não aproveite os fundos comunitários para ajudar os agricultores e os pescadores. O ministro, esse, entende que o recado não é para ele, nem para o Executivo a que pertence. Pois...
Fernando Nobre fez saber, no Porto, que o tentaram silenciar. Tonitruante quanto baste, jurou que a ele ninguém o calará. "Nunca mais!" (sic). Não se percebe muito bem por que motivo há-de alguém querer calar quem nada de relevante tem para dizer. Mas, enfim, o aparente delírio pode até ter algum fundamento. Convinha é que o homem sem medo nos dissesse qual.
Manuel Alegre, esse, jura que irá para Belém "cuidar das pessoas" e não de "grupos especulativos". Como o poeta não chegará a Belém, as pessoas e os grupos especulativos podem manter-se descansados.
Francisco Lopes é o mais claro de todos: diz o que sempre disse e o que sempre dirá, seja qual for o caminho que o Mundo tome. Tem a vantagem da coerência, é verdade. Mas traz consigo a desvantagem do aborrecimento e do adormecimento, o que, convenhamos, não é propriamente um apreciável trunfo eleitoral.
Tristemente, a coisa há-de seguir, assim ou ainda pior, nas próximas duas semanas. Talvez a sofrível narrativa dos candidatos presidenciais venha a ser ligeiramente abalada pela discussão que a realidade impõe: amanhã, o país tem um teste de fogo, quando emitir dívida. Se os mercados reagirem com desconfiança semelhante à dos últimos dias, as campainhas soarão. E, desta vez, num tom ensurdecedor.
Estou seguro de que todos correrão a reafirmar o amor por Portugal e as capacidades deste nobre povo para arrostar com as dificuldades. Mas estou seguro também de que, no momento seguinte, regressará o entretenimento...