Uma agência de rating tem por função avaliar o risco inerente à concessão de crédito. Ou seja, mantém um ranking pelo qual alinha países e empresas de acordo com a sua capacidade de pagar as dívidas contraídas, e vende essa informação. O que, à partida, parece um serviço útil e generoso.
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Se o leitor é solicitado a emprestar dinheiro a um amigo, quererá saber decerto até que ponto ele será capaz de cumprir com a obrigação. Se estiver interessado em fazer um depósito, quererá saber qual a solidez do banco em que abre a conta. Num modelo mais elaborado, se quer investir na Bolsa, comprando acções ou obrigações de uma empresa, ou títulos do tesouro de um determinado país, interessa-lhe que os mercados tenham em linha de conta o risco inerente a esse investimento. E, se as agências de rating contribuírem para que o risco esteja reflectido no preço desses produtos, tanto melhor.
O problema é que essa avaliação transforma-se numa arma perigosa, na medida em que é composta de factores objectivos e subjectivos, e uma vez que tem impacto nas cotações. Além disso, estas agências são privadas, estão situadas nos EUA, não estão sujeitas a regulação, e são participadas por grupos financeiros que têm interesses directos nos mercados que avaliam. O que quer dizer, voltando ao caso do empréstimo ao seu amigo, que tudo se passa como se a avaliação do risco desse empréstimo fosse feita por alguém a quem ele deve dinheiro, que lhe irá provavelmente garantir que não há risco na expectativa de que uma parte seja utilizada para o reembolsar; ou, em alternativa, que a avaliação fosse feita por alguém que cobiça a casa do seu amigo, e que por isso o aconselhará, a si, a não emprestar, na expectativa de colher benefícios dessa aflição.
A verdade é que estas agências geram lucros aos seus accionistas, através das consequências directas das suas profecias. Compreenderá o leitor que as agências tenham atribuído risco mínimo à Lehman na véspera da sua falência. E, na medida em que era uma mera avaliação, nada de mal lhes sucedeu. Compreenderá, também, que numa altura em que Portugal se empenha em cumprir com os seus compromissos com a troika, e se prepara para privatizar activos, alguém esteja interessado em desvalorizar o valor das acções dessas empresas, que também são tratadas como lixo. Compreenderá, por fim, que as agências nada têm a perder com as aflições da Grécia ou de Portugal. Alguns dos seus accionistas estarão a comprar a nossa dívida a preço de saldo, ou a garantir, e fixar, taxas de juro exorbitantes. Depois, se a Europa nos socorrer, ou se forem criados eurobonds, essa nossa dívida valerá muito mais, seja porque deixa de haver o tal risco, seja porque a taxa de juro negociada passa a ser muito maior do que a que seria justificável.
Os chineses, que conhecem os interesses em jogo, já criaram uma agência de notação. Em vez disso, os europeus continuam a tomar como boa a avaliação das agências americanas. No caso grego, porque é que é a S&P quem determina se a reestruturação da dívida é, ou não, um default? E, no nosso caso, porque é que essas agências são tomadas como mais credíveis que a troika, que teve uma equipa a verificar todas as nossas contas durante semanas? Enquanto a Europa não reagir, estará exposta à cobiça dos que agem na sombra e, se acreditarmos nas teorias da conspiração, aos interesses de uma potência que tem interesses divergentes, e que quer destruir o euro. Seria bom, em qualquer caso, que a União Europeia não se limitasse a contestar o ataque ao rating de Portugal. É que, das duas uma: ou acredita na Moody's, e nesse caso reconhece que o problema está nas condições estipuladas no acordo entre Portugal e a troika, e nesse caso introduz as necessárias modificações que muitos outros analistas sugerem, ou toma medidas para que essa e outras agências deixem de pesar nos negócios entre a União Europeia e os seus membros. E, na medida em que os europeus saíram em defesa de Portugal, compete ao nosso Governo fazer diplomacia económica nesse sentido.