As razões que a razão desconhece
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Blaise Pascal, filósofo, físico e matemático francês do século XVII, entre os seus muitos contributos filosóficos e científicos deixou-nos uma reflexão que recordo muitas vezes: "O coração tem razões, que a própria razão desconhece". A proposta de Orçamento do Estado para 2016 tem merecido muita tinta e muito verbo. Tenho a impressão que tem havido mais coração que razão neste debate. É natural. Nos últimos anos, a opinião pública tomou consciência dos riscos para o financiamento e para o crescimento da economia implicados pelos desequilíbrios orçamentais, bem como dos sacrifícios exigidos para os corrigir. Tempos amargos que ninguém quer repetir. Os cidadãos não querem mais sacrifícios e os financiadores - os mercados - não querem ver em risco os capitais que investiram no país. Por isso exigem rigor que sinalize que o país está comprometido e é capaz de cumprir as suas obrigações financeiras.
As propostas do Governo marcam uma inflexão na política orçamental. Entre outras, a reposição dos salários na Função Pública, a eliminação parcial da sobretaxa do IRS e o aumento de impostos indiretos têm estado no centro do debate interno. Por outro lado, as autoridades europeias, agências de rating, analistas, etc., têm exprimido grandes preocupações e duras críticas ao rumo agora pretendido, alertando para os riscos, sempre existentes e inevitáveis, que podem comprometer o sucesso desta política. No contexto destas reações, não sou indiferente ao comportamento recente dos mercados financeiros. Num ambiente internacional de grande incerteza, tais mercados têm vindo a penalizar sobremaneira os países da periferia europeia e, em especial, Portugal. Este é um alerta claro de que não há margem para erros na condução da política orçamental do país.
Os mercados reagem sempre com euforia, ou pessimismo, às novidades, às mudanças. A mudança da política orçamental portuguesa não está isenta deste tipo de reações. Curiosamente, os mercados parecem reagir mais às incertezas sobre o futuro do que às certezas do passado. Em 2014, o Governo apresentou uma proposta de Orçamento em que o seu saldo estrutural só melhoraria em 0,1% do PIB. Em abril de 2015, corrigiu essa projeção, passando a prever um agravamento de 0,1% do PIB. Nessa altura, não houve ecos de qualquer reação da Comissão Europeia e os mercados não revelaram o nervosismo que agora mostram, no momento em que o novo Governo anuncia uma melhoria de 0,3% do PIB. Será que a mudança de cor política é mais relevante que os números? Dá para perceber? É difícil, confesso. Se Pascal estivesse entre nós diria certamente que "Os mercados têm razões, que a própria razão desconhece".
Pois têm, mas não podem ser ignorados.