Corpo do artigo
Ricardo Salgado, presidente do Banco Espírito Santo, dizia, ontem, em entrevista ao jornal "I" não ter entendido "muito bem reacção do Presidente ao negócio da PT da TVI". No seu jeito habitual, em que cada palavra está no sítio certo e tem o exacto peso que ele lhe pretende dar, acrescentava: "Houve provavelmente algum factor que o Presidente da República conhecia - e as outras pessoas não - que desencadeou essa reacção".
A observação do banqueiro é extremamente elegante. Está lá a crítica ao Presidente - dizendo que não entendeu a sua observação - mas também está lá a sua defesa: porventura ele saberia para além do que foi dado saber ao cidadão comum. A verdade é que as últimas intervenções públicas de Cavaco merecem atenção especial, porque extravasam o que poderíamos esperar dele. Cavaco Silva é um homem previsível no sentido em que sabemos de antemão que procura pautar a sua acção pelo rigor. Dizer que é previsível é, neste sentido, um elogio. É escrupuloso, também. É por isso que Ricardo Salgado não foi o único a estranhar a intervenção do Presidente no caso PT-TVI. O assunto entrara já para o domínio da guerra política, nomeadamente entre o PSD e o PS, e como esse é um campo em que o escrúpulo de Cavaco Silva mais se tem acentuado, não era de esperar que tivesse dito o que quer que fosse.
Ainda agora, no caso Manuel Pinho, também o Presidente da República emitiu a sua opinião de uma forma inesperada. Inesperada porque não é habitual que ele se pronuncie tão a quente, tão em cima dos acontecimentos. Frequentemente, o Presidente marca a sua distância, e neste caso não o fez. O que disse, releva do óbvio. A estranheza é ter dito. Até porque não o fez em condições semelhantes, nomeadamente quando se deslocou à Madeira e nada disse sobre as diatribes ainda quentes de Alberto João Jardim, aceitando inclusivamente, sem pestanejar, pelo menos em público, não ser recebido na Assembleia Regional. Como nada disse quando a Assembleia Regional proibiu a entrada a um deputado, colocando seguranças à porta para lhe barrarem o caminho.
A quem espantam - e neles me incluo - estas intervenções de Cavaco, só posso recomendar a fina observação de Ricardo Salgado: há provavelmente coisas que o Presidente conhece - e a que o cidadão comum não tem acesso - que desencadeiam estas reacções. Só pode ser. Porque não é aceitável que, de repente, o Presidente da República tenha optado pelo que parece ser uma marcação cerrada ao Governo, abandonando a sua neutralidade.