Têm sido muitos os comentadores a pedir "reformas", afirmando que agora há condições para elas. Alguns são os mesmos que se pronunciaram contra a maioria absoluta, mas que rapidamente se converteram às vantagens dela.
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No entanto, enumerar reformas em abstrato de nada vale. Peguemos, por exemplo, na reforma da justiça, que faz a unanimidade dos comentadores. Ora, há várias justiças: a cível, a criminal, a administrativa e dentro delas vários tipos e fases do processo. Há também o funcionamento dos tribunais, o seu desempenho e até uma certa transparência dos processos. Acresce que no pelouro governamental da justiça estão ainda todos os registos, a transbordar de dados que, tratados, podem ser úteis para outras políticas públicas. Por isso, falar da reforma da justiça sem apontar prioridades faz-me logo desconfiar que se trate de um chavão semelhante ao da "reforma do Estado".
Enquanto governante, nunca tive medo de mexer em processos difíceis, mas sempre fugi dessa ideia de que o Estado se reforma com um bom relatório feito por meia dúzia de especialistas muito iluminados.
Posto isto, estou longe de pensar que não haja reformas que precisamos de enfrentar em várias áreas de governo. Com ou sem maioria absoluta elas estavam aí a bater à porta. Na educação, toda ela, porque hoje se aprende e ensina de maneira distinta do que acontecia antigamente. Na saúde, para garantir que o SNS resiste à pressão que sobre ele exerce a demografia e o custo dos medicamentos, para promover a telemedicina e o uso de dados na gestão e na medicina personalizada. Na segurança social, para reduzir a carga burocrática e garantir a sua sustentabilidade. No trabalho, para um melhor equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Na política económica, para favorecer uma economia mais eficiente e competitiva. Nos serviços públicos, em geral, para os transformar pela via digital, de modo que fiquem mais inteligentes e menos dependentes dos inputs dos cidadãos. E por aí adiante, era capaz de acrescentar mais alguns exemplos. Sem esquecer, é claro, a incorporação dos objetivos transversais que tocam quase todo o governo, como são os que derivam das transições climática e digital, e da descentralização.
Por mim não espero um livro de reformas. Espero que alguns grandes objetivos se tornem prioridades em todas as áreas do governo e nelas sejam declinados para as especificidades próprias de cada uma. Daqui a cinco anos o Mundo será muito diferente e Portugal vai ter de pedalar depressa para o poder acompanhar.
*Eurodeputada do PS