Terminaram as reuniões regulares no Infarmed. A opinião pública nunca percebeu para que serviam. No fim, quem falava com os jornalistas eram sempre os políticos, em registos desadequados ao contexto.
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Se os encontros tinham uma natureza técnica e pretendiam analisar a evolução da covid-19, a palavra mediática teria de pertencer aos peritos. Ou, então, as sessões deveriam ser abertas à Comunicação Social.
A atual pandemia fez-nos perceber a importância das fontes especializadas. Submergidos numa colossal incerteza, fomos sentindo necessidade de ouvir mais os profissionais de saúde, os cientistas ligados à investigação médica, os académicos com estudos em campos do saber que nos ajudavam a encontrar âncoras para um quotidiano que subitamente se estruturava com códigos que nos escapava. Curioso o facto de terem sido os meios de Comunicação Social a convocar para o centro do espaço público (mediático) esses interlocutores até então desconhecidos de muitos de nós. O poder político também foi promovendo, aqui e ali, convergências com esse saber sábio, imprescindível para dar chão a decisões de alto risco, mas a verdade é que nunca conseguiu ceder-lhe o protagonismo que merecia.
A este nível, a iniciativa mais visível foram os encontros promovidos no Infarmed no qual se juntavam políticos e peritos para analisar a evolução da covid-19 no país. Amplamente mediatizadas, essas reuniões nunca permitiram a entrada aos jornalistas, não colhendo aqui o argumento do limite de pessoas em determinado espaço, porque há sempre a possibilidade a assistir a tudo por via remota. Para mim, o mais estranho foi o desfile que os membros de vários partidos faziam diante dos jornalistas, quando cada sessão terminava, a fim de aí prestarem declarações acerca do que se passara. Se se tratava de uma iniciativa técnica, não faria mais sentido dar a palavra pública aos especialistas? A resposta é óbvia, mas isso nunca aconteceu.
Ao ouvirem o presidente da República anunciar o fim dos encontros regulares no Infarmed, muitos terão encontrado uma justificação para isso no desencontro havido anteriormente entre políticos e especialistas, uma leitura que o primeiro-ministro procurou serenar ao prometer uma outra reunião "quando se justificar". Ora, a verdade é que uns e outros nunca estiveram sintonizados, a começar pelo papel que cada um deveria chamar a si. Uns e outros sempre ocuparam lugares que não eram seus. E isso toldou uma iniciativa que poderia ter feito escola, não fosse o modo desajeitado com que tudo foi organizado.
Prof. associada com agregação da U. Minho