O ano político encerra-se com a polémica sobre o projecto de revisão constitucional apresentado pela nova direcção do PSD. Com esta iniciativa, o novo líder do partido laranja atinge alguns objectivos relevantes nesta sua fase de afirmação pública.
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Desvia a agenda pública e mediática das questões quotidianas de governação. Lança para o debate várias ideias que, sem possuíram, por vezes, a viabilidade prática de obterem a concordância de, pelo menos, dois terços do Parlamento, possuem a virtualidade de distinguir a matriz ideológica do PS e do PSD.
Não é por acaso que a proposta de revisão surge pouco depois do anunciado "entendimento" entre o primeiro-ministro José Sócrates e o líder do principal partido da oposição Pedro Passos Coelho em relação às medidas de austeridade impostas pelo PEC. Auto-limitado na polémica em relação ao Governo, Passos Coelho conquista um vasto espaço de polémica acerca do diploma constitucional que, de algum modo, já vive numa espécie de regime de revisão permanente desde que foi aprovado em 1976. A próxima revisão será, salvo erro, a oitava.
A discussão sobre a organização dos poderes políticos voltou à tona de água. O regime semi-presidencial nos países europeus onde está consagrado possui matizes muito diferentes, deste a componente presidencial forte (caso da França) à componente parlamentar dominante (caso da Áustria). Em Portugal a procura de equilíbrio de entre o Parlamento e o Presidente, ambos legitimados pelo sufrágio universal, distingue-se do modelo austríaco do francês. reflecte-se nos debates em tempos de revisão constitucional. As atitudes dos partidos têm variado ao longo dos anos, consoante a respectiva distância ou proximidade em relação ao titular do cargo.
Ao longo da campanha de 2005, um leque diversificado de personalidades de primeiro plano do PSD defenderam o reforço dos poderes presidenciais. A título de exemplificativo, cite-se o fundador do PSD, Pinto Balsemão, ao defender que os portugueses deveriam questionar-se "quanto aos benefícios de uma eventual mudança do sistema político, do actual semi-presidencialismo para um modelo mais perto do norte-americano ou francês, com duas Câmaras" (Correio da Manhã, 25 de Novembro de 2005). Em sentido semelhante, pronunciou-se Rui Machete (DN, 22 de Novembro de 2005), antigo líder do PSD. Com propostas mais suaves, Machete sustentava que "o Presidente deveria presidir a alguns Conselhos de Ministros em que se discutam matérias essenciais (o aeroporto da Ota, por exemplo) ", além de "poder demitir o primeiro-ministro sem ter como fundamento o risco do normal funcionamento das instituições".
Em tempo de austeridade, com coabitação entre um Presidente de centro-direita e um Governo de centro-esquerda é natural que polémicas deste tipo reapareçam à superfície. O que as fragiliza, tal como já tinha acontecido no passado, é que tais propostas de alterações institucionais são pensadas em função de determinadas conjunturas e personalidades políticas. Muitos dos defensores do reforço dos poderes presidenciais em 2010 estavam entre os que, em 1976, se batiam pela redução da margem de actuação do Presidente. Qualquer estratégia constitucional baseada em factores tão efémeros e instáveis corre, pelo menos, o risco de se voltar, a médio prazo, contra quem a desencadeou.
