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1. Cavaco Silva disse ontem o que muita gente queria ouvir: os "limites para os sacrifícios foram ultrapassados". Mas pergunto-me: de onde pode vir dinheiro que torne isto sustentável? "De uma mais justa repartição na sociedade portuguesa" como diz o presidente? O que significa isto: continuar a aumentar o IRS? O IVA? O IRC? O IMI? A teoria da evasão fiscal? O presidente que ficou famoso por apelidar o Estado de "monstro" contesta agora um Governo que cortou nos funcionários públicos e pensionistas. Na verdade, é muito difícil explicar aos funcionários públicos e pensionistas que não há dinheiro. As pessoas acham é que ele está ser mal gasto, pelos outros. Mas o presidente da República não é o cidadão comum. E quando faz afirmações como as de ontem cria condições para que as pessoas acreditem na "injustiça" e não nos factos. Não concordo com tudo o que defende Medina Carreira, mas se há coisa em que ele tem razão é na incapacidade de pagarmos o Estado Social (Saúde, Educação, Segurança Social e Caixa Geral de Aposentações) que já hoje, sozinho, absorve 88% dos impostos, e vai continuar a crescer... Em 2015, 100%, em 2020, 120%... Podemos querer o bem de toda a gente. Temos é de saber como o fazer. E desde que é presidente, Cavaco só é economista de vez em quando. As declarações de ontem são uma traição a Passos Coelho. Estará já a trabalhar na sua popularidade? A preparar o futuro "Governo de Salvação Nacional" com a sua liderança? Cavaco Silva é tudo menos distraído. Aquilo não pode ter sido por acaso.
2. Infelizmente o Governo acredita que cortar brutalmente em 2012 e 2013 nos vai trazer uns 2014 e 2015 (ano eleitoral) que cantam. O rumo está certo, a velocidade está errada. Tem de se cortar, mas sem partir a economia de forma a que morram tantas empresas que não estarão cá para depois se tentar a retoma. A Grécia tem um perdão? Nós deveríamos ter mais tempo e juros mais baixos. Talvez isso evitasse a derrocada. Se não for assim acabaremos por ter de obter um perdão. Mas nesse caso ficaremos sem soberania por muitos anos. É o que isso significa o perdão da dívida. Quem mete o dinheiro manda em Portugal.
3. Obviamente chegamos aqui porque a culpa é dos anteriores governos. Houve erros crassos de estratégia, negociatas escandalosas e favores aos amigos. Mas a esmagadora parte do dinheiro gastou-se (desde o 25 de Abril) a fazer-se o que as pessoas queriam - muitos e bons hospitais, novas escolas, estradas que nos dão muito jeito mas que toda a gente agora detesta, e outros milhares de infra-estruturas excelentes mas que, de um momento para o outro, são apenas despesismo. O almoço foi bom, a conta é péssima.
4. Há anos que me interrogo por que é que a CGTP não ajudou a criar um grupo de empresas com a sua 'marca'. Não poderia dar formação a, por exemplo, padeiros, serralheiros, electricistas ou a jovens criadores de filmes ou publicidade e ajuda-los a criar pequenos negócios? A CGTP não poderia ter sido intermediária de microcréditos através da credibilidade da sua chancela? Tenho estima pessoal por Carvalho da Silva mas acho que ele se coloca do lado do problema e raramente do da solução. E vê-lo agora instigar ao mais básico instinto de revolta desencadeará a nossa "Grécia". Estará consciente da violência que está a fazer germinar?
5. Por fim, obviamente também culpado deste fim do Mundo é o metro do Porto. Miguel Sousa Tavares disse no "Expresso" de sábado que "se houvesse coragem política, o que se faria era encerrar o metro do Porto". No mesmo dia, Luís Filipe Menezes ajudou à missa e culpou os seus colegas autarcas de terem as mãos sujas no despesismo do metro. Alberto Castro já respondeu no JN de terça-feira a Sousa Tavares, mas é provável que este lhe responda com as palavras de Menezes - nada melhor que o tiro disparado na própria barricada. E como o importante não é discutir as coisas em concreto mas ficar-se com a razão, não há nada para se dizer. Fechar o metro de Lisboa? Há ideias que seriam populares no Porto mas são simplesmente ridículas.