Saindo a observação de um comício, podia até dar-se algum desconto. Angela Merkel anda apertada internamente, a ver o chão político fugir-lhe debaixo dos pés, e seria natural perdoar um ou outro excesso de linguagem. A chanceler precisa de mostrar-se forte à Nação alemã, descansando a opinião pública doméstica quanto ao suposto risco de ser o cofre da Europa do Sul, povoada por gente preguiçosa por natureza, abrigada sob o guarda-chuva do Estado e dona de outros inconfessáveis defeitos. É o canalizador polaco em versão mais moderna a irromper na velha Prússia.
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Ser forte perante os fracos não é proeza que fique nos anais, mas o ponto da questão não é bem esse. A "recomendação" de Merkel" sobre o período de férias e a idade da reforma de gregos, espanhóis e portugueses constitui, em si, mais do que uma demonstração de arrogância, um sinal sobre quem verdadeiramente manda na "Eurolândia" - e, já agora, na União Europeia.
É por isso que interessa menos contra-argumentar - que muitos cidadãos alemães fazem mais férias do que os portugueses, graças à contratação colectiva, por lá ainda uma alternativa forte, ou que se Merkel quer comparar férias também deve comparar salários - do que avaliar o significado da manifestação de força. A chanceler subiu mais um degrau: as "instruções" que, noutros momentos, debitava ao ouvido dos governantes (Sócrates também as recebeu) são agora verbalizadas em público. Alto e bom som.
Berlim engoliu definitivamente Bruxelas, sem o mais pequeno prurido. Até na deferência do trato isso se nota. Sarkozy é tratado por Sarkozy, Berlusconi por Berlusconi e assim por diante. Mas a Merkel todos lhe anexam o "prefixo" senhora, que encaixa na perfeição no seu papel de suserana, perante tantos vassalos.
Cada vez mais frágil enquanto entidade política, a União Europeia vai sucumbindo aos egoísmos nacionais. É a Alemanha a dar ordens aos outros estados-membros. É a França a querer repor fronteiras, para travar a invasão de imigrantes que a Itália deixa passar. No turbilhão de um Mundo em mudança, se a Europa implodir - às suas ordens, senhora Merkel - só os países periféricos perdem? Ninguém acredita.