Anda por aí um surto de escarlatina. Há dias, uma criança adoeceu com fortes dores de garganta e febre. Ficou em casa, esperando a evolução dos sintomas e aguardando os dois dias de espera recomendada. Nada de correrias para os serviços de saúde quando os males não o justificam ou quando são próprios de crianças em idade escolar. Como os sintomas não passaram, a criança foi levada, pelos pais, à urgência do Hospital Dona Estefânia. Era sábado e o centro de saúde estava fechado. Depois de duas horas de espera, a criança saiu com o diagnóstico de escarlatina, confirmado com recurso a análises, e uma injeção de penicilina.
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Na semana seguinte, adoeceu a irmã mais nova, com os mesmos sintomas. Era dia de semana, muito provavelmente um caso de contágio, e a criança foi levada ao centro de saúde. As mesmas duas horas de espera, mas um serviço totalmente diferente. Não foi possível fazer a análise para confirmar o diagnóstico porque o centro de saúde não dispunha dos meios para o fazer. Também não tinha meios para apurar se a criança tinha alergia a penicilina. Saiu, assim, do centro de saúde com uma receita de antibiótico, que estava esgotado na farmácia do bairro. Só no dia seguinte pode começar o tratamento.
Se conto esta história não é para me queixar do sistema nacional de saúde. Pelo contrário. O atendimento, a competência dos profissionais, a gratuitidade de um serviço prestado por instituições em que confiamos, disponíveis para atender e cuidar, devem ser sempre positivamente destacados. Conto esta história para chamar a atenção para a importância de acelerar o programa de capacitação dos centros de saúde e dos cuidados primários em geral. Só com transformação e reforço dos recursos dos centros de saúde, conseguiremos aliviar a pressão sobre as urgências. Esta pressão, que é um dos principais problemas do nosso sistema de saúde, não resulta apenas da ansiedade das pessoas, da facilidade de acesso, de rotinas culturais ou de maus hábitos. Não se resolve, apenas, com a racionalização e especialização da rede de urgências, embora esses processos sejam importantes e necessários.
Diminuir significativamente a pressão sobre as urgências requer a concretização de reformas, há muito desenhadas, que exigem revisitar as competências e os recursos, os níveis de cuidados, os meios disponíveis e os horários de funcionamento dos centros de saúde. Só assim terá sucesso a vontade de proteger o serviço nacional de saúde através de ganhos de reorganização e eficiência.
Professora universitária