Pão, paz, alegria e fortuna, que mais poderemos desejar? Era para ser à quinta, 40 dias depois da Páscoa, mas a Igreja transferiu a festa da ascensão para domingo, hoje mesmo, para facilitar a vida aos fiéis. Manda a tradição que no Dia da Espiga juntemos algumas espigas de trigo ou cevada, tronquinhos de oliveira, papoilas e malmequeres num mesmo ramo de virtudes benfazejas, para colocar atrás da porta, em sinal de proteção e esconjuro.
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Depois da queda do BPN, do BPP, do BES e do Banif, cujo colapso já custou mais de 10 mil milhões de euros aos portugueses, é daquele ramo protetor que me lembro quando ainda ecoa o mau agoiro de João Salgueiro, prevenindo de que pode haver "mais três bancos na linha para serem resgatados".
Como? Passaram quatro dias sobre o alarme e nada aconteceu. Não há sinais de corrida aos depósitos, nem consta que o Ministério Público tenha chamado o antigo banqueiro a depor por especulação, acusando-o de atirar a pedra e meter as mãos nos bolsos. Aquele que foi à vez administrador do Banco de Portugal, ministro das Finanças, administrador da Caixa Geral de Depósitos e também presidente da Associação Portuguesa de Bancos pode até ter morrido (salvo seja), mas recusa-se certamente a tomar conhecimento.
É que o nome de Salgueiro volta a circular, agora num apelo contra a "espanholização" da banca. Ele, que há anos já foi um dos primeiros subscritores do chamado Manifesto dos 40, com Ricardo Salgado, José Maria Ricciardi, Eduardo Catroga, Francisco van Zeller, Soares dos Santos, Jardim Gonçalves, Ludgero Marques, Miguel Horta e Costa, e mais uns tantos.
A procissão de notáveis, que andou entre Belém e S. Bento, reclamava então que os centros de decisão das principais empresas, das telecomunicações à banca e da energia aos recursos naturais, deveriam fixar-se em Portugal. Dez anos depois, a PT é francesa, os bancos são de capital espanhol e angolano, a EDP é chinesa e os recursos naturais são de quem der mais. De permeio, ficámos mais uma vez insolventes e lá veio de novo o FMI.
Hoje, quem controla a dívida exerce o poder. Com a União Bancária, à revelia dos povos e dos parlamentos nacionais, deixámos o sistema financeiro nas mãos de gente que ninguém elegeu nem escrutina, e somos reféns do BCE e da Direção-Geral da Concorrência, em Bruxelas. E não é nada certo que os interesses defendidos por essas instituições correspondam aos interesses portugueses. A confundir malmequeres e urtigas, deixámos que a democracia, cujo primado é a política, fosse capturada pelos interesses económicos e pela alta finança sem rosto. Valha-nos que é Dia da Espiga!
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