Uma lei do arrendamento anacrónica e as agressivas campanhas dos bancos a prometer todas as facilidades do mundo para a concessão de crédito destinado à habitação deram numa conjugação explosiva no país.
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O imobilismo do mercado de arrendamento durante décadas teve consequências desastrosas: a maioria dos senhorios está na penúria, incapaz de proceder a obras de restauro, e os inquilinos, envelhecidos, não obstante o pagamento de alugueres a roçar a bagatela, vivem entre paredes húmidas que lhes fazem mal aos ossos. Não é preciso uma lupa para verificar o resultado de tal política: cidades, vilas e aldeias de Portugal estão a cair de velhas; engrossa todos os dias a coleção de ruínas habitadas a tornarem a paisagem mais próxima dos escombros de uma guerra...
A degradação poderia, eventualmente, estar a ser compensada pela especulação imobiliária, mas não. Indo ao engano das fantochadas promocionais da Banca, milhares de portugueses cometem o puro engano mental de se acharem proprietários. Na verdade, sob penhora, estão amarrados a contratos de pagamento de empréstimos por dezenas de anos; estão de pernas cortadas à mobilidade laboral; vivem, muitos deles, o drama de se juntarem aos que nestes tempos de crise entram em incumprimento, têm a vida feita num oito e estão a transformar as entidades bancárias em novas agências imobiliárias.
Um coquetel assim acaba por redundar em algo que parecia impossível há meia dúzia de anos: gera a insatisfação unânime.
Sair do labirinto é essencial. Mas como?
Anunciado há uns meses com pompa e circunstância, o projeto de nova lei das rendas está em fase de sofrer ajustamentos em sede parlamentar. Busca-se o bom senso, tentando garantir mecanismos de defesa dos mais desfavorecidos e mais velhos, contra a gula dos senhorios por ajustamento dos alugueres. Faz sentido. Convirá, porém, não arrastar no tempo as decisões ou moldar mecanismos de defesa a tal ponto que acabem por transformar uma boa ideia em mera continuidade - embora travestida. Queira-se ou não, só pela atualização de rendas segundo níveis ponderados será possível esperar dos senhorios alguma capacidade para restaurar um parque imobiliário definhado. E convém não ignorar residir no imobiliário a carecer de obras uma das poucas saídas possíveis para o combate à grave crise em que está a construção civil.
Como num princípio de vasos comunicantes, é igualmente confrangedora a transformação da Banca em grande agência imobiliária por falta de capacidade dos portugueses para cumprirem os seus compromissos. Neste caso, no entanto, a modificação estrutural da relação carece de uma dose dupla de coragem. Um senhorio vulgar convence-se de uma só penada; um inquilino pobre ou remediado come e cala; já a Banca, mesmo em estado de necessidade, está mais habituada a ditar regras do que a ser vergada por quem tem legitimidade para o fazer mas carece de coragem: os detentores do Poder Político.
Urge, enfim, destroçar a quadratura do círculo em que gravita a crise do imobiliário em Portugal.