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A coligação PàF invoca a tradição e clama pelo direito a governar. Cavaco Silva, apesar das curvas e contracurvas discursivas, recolocou o curso dos acontecimentos no carril constitucional, distinguindo o ato presidencial de empossar um Governo do ato parlamentar de apreciar o respetivo programa e, portanto, de decidir sobre a sua entrada em plenitude de funções.
Depois da tomada de posse, Passos Coelho e a sua equipa vão a exame no Parlamento. Com os dados que vão sendo tornados públicos, começa a ficar claro um enorme recuo face ao programa com que se apresentaram a eleições, aproximando-se dramaticamente da proposta do Partido Socialista. É aqui que, na minha perspetiva, se fundamenta a queda do primeiro-ministro.
Durante a campanha, a mensagem da PàF foi veiculada através de uma fórmula repetida à exaustão. Insistiam na ideia de que o país não estava para aventuras, que as contas nacionais jamais acomodariam propostas como as que o PS adiantava, que existia o risco de regressar ao passado, ao despesismo e ao resgate. Mais valia o "pássaro na mão", que é como quem diz "não arriscar mudanças, que não há alternativa". A estratégia do medo quase funcionou. Compreensivelmente, muitos portugueses, que até estavam descontentes, recearam a mudança e acederam a depositar o seu voto na Direita.
Hoje, com a ameaça de uma Esquerda maioritária no Parlamento, o Governo recém-empossado prepara-se para dar o dito por não dito. O que antes era irrealizável, porque atiraria o país para a ruína, passou a ser possível. É o aumento do salário mínimo nacional, o abandono do plafonamento na Segurança Social, a devolução mais célere da sobretaxa do IRS e dos cortes nos salários da Função Pública, a abertura de vagas de emprego no Estado, o reforço das prestações sociais como o abono de família, o regime conciliatório para os despedimentos, a universalidade do médico de família, apenas para referir algumas das novidades deste Governo feto-morto.
Neste quadro, é legítimo concluir que o PS teria razão nas suas propostas de campanha. Se tudo isto é praticável, como agora a Direita parece fazer transparecer, então o cenário de medo criado não terá passado de uma construção artificial engendrada com o intuito de justificar a política de empobrecimento adoptada desde 2011 e, no mesmo gesto, descredibilizar as propostas socialistas. A tese da legitimidade política da coligação PàF cai assim redonda por terra. Em política, a mentira pode ajudar à ascensão, mas raramente evita a queda.
*PROFESSOR CATEDRÁTICO DA UNIVERSIDADE DO MINHO