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O discurso de Pedro Passos Coelho na estival Festa do Pontal não foi mau. Mas também não foi bom. Foi assim-assim. Teve estrutura, mas faltou--lhe alma. Foi, a espaços, assertivo, mas pecou por arrancar com um tom excessivamente justificativo. Foi provocador, mas não foi tentador. Numa palavra, serviu, como convinha, para esticar a corda, mas esteve longe de ser o discurso da retoma que o PSD precisa, depois de as sondagens mostrarem que o arrojo das propostas em áreas como a saúde e o emprego só por si não chega: é preciso dar substância às palavras. Como? Aprofundando as ideias, explicando por que são elas melhores do que as que existem. O contrário é letal: afasta eleitorado, por tocar em áreas sensíveis das nossas vidas.
Na sequência do discurso do líder do PSD, não faltou quem nele vislumbrasse o pontapé de saída de uma crise política com data marcada: Setembro. Com a ajuda de uma bola de cristal, talvez fosse lícito sufragar esse ponto de vista. À falta desse mítico instrumento de futurologia, a pergunta que se impõe é: a crise política aproveita ao PSD? Está o PSD preparado - e, sobretudo, interessado - em chegar depressa ao poder? Ou, ao invés, prefere o PSD que o Governo continue a arder em lume brando, pelo menos até que os "fundamentais" da economia melhorem um bocadinho? Está o PSD certo e seguro de que uma crise política não piorará ainda mais um país que já não está em muito bom estado? Está o PSD certo e seguro de que arcar com os custos de uma crise política por si espoletada não tem custos elevados quando chegar o momento de irmos às urnas?
Os prós e contras desta difícil equação terão resposta quando Governo e sociais-democratas começarem a discutir o Orçamento do Estado para 2011. Aí se verá se o PSD está disposto a tudo. E "tudo" inclui levantar até ao fim a exigência de não haver novo aumento de impostos (ainda que encapotado) e haver maior controlo nos gastos do Estado.
Uma coisa é certa: o "tango" entre Passos Coelho e Sócrates terminou. Tinha de terminar, porque o PSD arriscava perder espaço para criticar as opções do Governo. O "eleitorado flutuante" (aquele que dá e tira vitórias, dá e tira maiorias absolutas) é normalmente avesso a "casamentos" prolongados. São esses eleitores que Passos Coelho tenta agora alcançar. Há um problema: trata-se de um franja de votantes muito exigente, que pede clareza nas ideias e pujança na atitude. Eis o desafio máximo do novo líder do PSD: corresponder a tão altas expectativas, sem abusar do psicodrama da crise política.
P.S. O pior momento do discurso do Pontal aconteceu quando Passos Coelho disse que nunca como hoje a Justiça teve tanta influência política. É uma acusação demasiado grave. O líder social-democrata tem obrigação de citar os exemplos que conhece.