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1Enquanto oposição, PSD e CDS enunciaram uma receita. Consagrada no acordo com a troika, ter-se-ão convencido que a sua execução era trivial. Chegados ao poder, cedo constataram que não era como tinham imaginado. E não era apenas um problema de o défice exceder o previsto. Vítor Gaspar depressa percebeu que, enquanto as reformas iam e vinham, a única maneira de cumprir o objectivo do défice era comezinha, embora violasse todos os compromissos assumidos durante a campanha eleitoral. Como não é de modas, ignorou-os e fez o que qualquer um de nós faria: aumentou os impostos, antecipando mais receitas, e garantiu um corte na despesa, diminuindo os vencimentos dos funcionários públicos. Feito ao gosto da troika, e merecendo o seu elogio, o cocktail está a revelar-se explosivo. Alcançar os objectivos subscritos era tarefa impossível. Precisaríamos de mais tempo e, talvez, mais dinheiro, como se está a ver. Num país com as finanças e a credibilidade arruinadas, o Governo fez bem em tentar, embora tenha cometido erros grosseiros, sobretudo na previsão das receitas. Fará mal se persistir, sem ousar mudar.
2Perante o falhanço de 2012, o Orçamento para 2013 corrige alguns erros. Para pior. Ao défice, sacrifica a economia e o contribuinte. Os impostos indirectos ficaram aquém do previsto? Ataca-se onde o resultado é garantido: o IRS sobre os trabalhadores por conta de outrem. Não se consegue baixar a despesa? Aumenta-se a receita. Não foi o prometido, nem o que está no memorando? A troika perdoa, desde que receba o dela. Há quem na troika esteja disposto a flexibilizar o processo? Conversa de jornalistas ou, pior ainda, de francesas (Lagarde) e franceses (Blanchard, do FMI, e Hollande). Nós perseveramos. E se isso fizer perigar a democracia? Democracia? Isso não é uma coisa grega? Vejam como eles estão. Nós? Nós nunca temos dúvidas, mesmo quando nos enganamos.
3Após a petulância inicial, Gaspar aceitou fazer alterações. Falou em alternativas de redução de despesa. Deveria alargar o desafio à substituição de impostos por outros impostos ou fontes de receita. Não há medidas inócuas, sem efeitos secundários. Mas é possível escolher, gerir, minorar o impacto. O Governo parece ter aprendido: decidiu tributar o jogo, algo aqui sugerido faz tempo. Mas há outros exemplos. Durante o 1.0º semestre, os chamados smartphones foram dos poucos bens cuja procura aumentou - quase um milhão de unidades vendidas. Que necessidade essencial suprem? Que tal tributá-los como bens de luxo? A procura diminuía? É tudo importação - melhorava a balança comercial! A receita talvez fosse suficiente para repor o IVA da restauração. Esta lógica poderia, e deveria, ser aplicada a outros bens com características semelhantes. Outro exemplo: as chicletes. Repare nos passeios à porta das escolas, dos cafés, por todo o lado. Verá imensos pontos negros. Falta de civismo? Poluidor pagador. A receita permitiria criar postos de trabalho na limpeza das nossas ruas (e nem falo, por analogia, nas receitas de um aumento na licença do milhão e meio de cães existentes). Ainda mais um. O estacionamento desregrado, em segunda fila, em cima do passeio ou, pior, de passadeiras. Falta de civismo, com custos para terceiros?Aumentem as multas. Falta polícia? Ao contrário do presidente do sindicato, não vejo que multar seja uma actividade perigosa para polícias com mais de 55 anos. E, como esta, há outras.
4Reduzir a despesa passa por diminuir a influência das corporações instaladas no aparelho de Estado. Na maioria dos casos, é um problema de gestão e de clareza perante a opinião pública. O que implica ter pessoas competentes, que depressa se pagam a si próprias. O orçamento não pode ser um mero exercício de somar e subtrair. Tem, ele próprio, de ser o reflexo de uma estratégia. Que falta!
5Cortar na despesa vai traduzir-se, sempre, em menos receita para alguém. A questão crítica é, mais uma vez, escolher bem. Duas ou três interrogações e algumas sugestões. Serão precisos hospitais militares? A maioria dos casos não é passível de ser tratada em hospitais civis? Não se pode protocolar uma parte da formação dos militares com outras instituições de ensino superior? Essas poupanças talvez permitissem melhorar a dotação em equipamento. E, quiçá, fazer receita pela venda do património ou pelo seu uso para outros fins. O ensino Superior é intocável? Quando os reitores reúnem, pedem sempre mais dinheiro. São assim as corporações. Cada um por si, confessam haver cursos e vagas a mais. A racionalização não terá efeito imediato na despesa, mas é fundamental. Feita com critério, poderia permitir consolidar pólos de saber fora do litoral e contribuir para um desenvolvimento territorial mais equilibrado. O problema? É preciso haver um ministro do ensino Superior, o que já não acontece há anos.
6Os exemplos apresentados são apenas isso. Na sua ingenuidade, indiciam haver alternativas. Subsiste a falta de estratégia. Este orçamento é uma opção por um caminho fácil. Sem saída. Contas de merceeiro (sem ofensa!). Assim, até eu! Assente em pressupostos frágeis, vai falhar. Será intencional? Para mostrar que a terapia não funciona e obter cedências? Não me parece. Tendo o mérito de tentar cumprir os acordos assinados, fá-lo numa lógica ao mesmo tempo subserviente (para fora) e arrogante (para dentro), arriscando levar a austeridade ao ponto de romper os equilíbrios sociais e políticos. Porventura não uma afronta mas, decerto, um desafio ao Presidente da República.