<p>Infelizmente, os farmacêuticos não ficaram surpreendidos com a tragédia no Hospital de Santa Maria, ocorrida apenas quatro meses depois de o senhor primeiro-ministro ter inaugurado, com pompa e circunstância, a farmácia desse hospital".</p>
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Estas palavras pertencem a João Cordeiro, presidente da Associação Nacional de Farmácias. A tragédia por ele referida tem a ver com a cegueira que atingiu seis pacientes submetidos a uma operação no Hospital de Santa Maria. A relação de causa e efeito, entre a inauguração de uma farmácia fora da alçada da ANF e a tragédia, bem como a responsabilização do primeiro-ministro, é das coisas mais miseráveis que se têm ouvido, só explicável pela ganância monopolista do todo-poderoso senhor das farmácias.
Usar em proveito próprio, numa querela contra o Governo, a tragédia que atingiu seis pessoas operadas num hospital revela insensibilidade total. Revela, afinal, o carácter de um homem. Acresce que, como entretanto já foi dito, não foi aquela farmácia hospitalar que cedeu o medicamento que hipoteticamente pode ter provocado a cegueira, pelo que, até nisso, a afirmação é descabida. "Traidor", foi uma das acusações que dirigiu a Sócrates, acusado de "mentir, voltar a mentir, mentir repetidamente" a propósito da reposição de margens de lucro das farmácias. Mais tarde, relativamente a estas últimas acusações, Cordeiro meteu o rabinho entre as pernas: retirou as acusações, estava mal informado, pelo que "estava ultrapassada a razão próxima que esteve na origem do encontro com os jornalistas".
Ultrapassar a razão próxima não é o mesmo que pedir desculpa. Mas essa é uma palavra que o arrogante Cordeiro certamente desconhece. Ele representa um dos lóbis mais fortes da vida portuguesa e, como já se sabia e prova pela sua desadequada linguagem, tem contas a ajustar com o Governo. Errou agora, mas voltará. Ele representa um dos lóbis que o actual Governo afrontou. Legitimamente, porque tinha poderes para tal. Ele, os professores, os médicos, os militares, outros mais. Nem todos são iguais, e todos poderão ter as suas razões. Mas, com as afirmações de ontem, Cordeiro, o senhor das farmácias, mostrou quem é e ao que vai. Sócrates, entre tanto insulto ligeiro e solto, certamente até lhe agradecerá tamanha e tão espontânea revelação de personalidade.
P.S.: Quem sempre vê em declarações de Cavaco críticas profundas ao Governo, que dirá das suas declarações a um jornal austríaco sobre o défice português, afinal igual ao de outros países da Zona Euro? Depois desta afirmação, que cabimento ainda têm as dúvidas de Manuela Ferreira Leite?