<p>Uma dezena (!) de artigos do famigerado Estatuto dos Açores foi declarada inconstitucional pelo Tribunal. Quererá isto dizer que os deputados - todos eles, porque o estatuto foi inicialmente aprovado por unanimidade - são incompetentes, a ponto de não conseguirem fazer uma lei conforme aos princípios constitucionais? - Não, claramente não. </p>
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A lei foi feita em vésperas das eleições regionais e esse facto terá condicionado muito o afã legislativo de uns quantos e o conformismo de outros, que na hora de se levantarem para votar contra se deixaram ficar, não fosse o voto negativo acarretar prejuízos eleitorais. O presidente da República, o primeiro a denunciar as falhas, poderia ter enviado de imediato o diploma para o Tribunal Constitucional, mas preferiu devolver o diploma à Assembleia desafiando os deputados a revê-lo. Foi uma má opção: o árbitro que deve ser o presidente não tinha que se envolver no jogo com os deputados. Pior foi ainda os deputados não terem recuado, assumindo um braço-de-ferro que, como se vê agora pela decisão do Tribunal Constitucional, não tinha a mínima razão de ser. Como ninguém ficou bem neste retrato, resta dizer que o PSD, agora tão crítico do estatuto, cuja paternidade atribui a Sócrates e ao PS, também votou a favor, abstendo-se num segundo momento, depois dos reparos do presidente da República.
Desde que, por causa do estatuto, o presidente lançou um alerta cifrado cujo alcance quase ninguém atingiu, até agora, passou precisamente um ano. Neste período de tempo, e por causa deste estatuto, azedaram as relações Cavaco-Sócrates e gastaram-se dezenas de horas em volta do articulado da lei. O país tem seguramente coisas mais importantes e prementes para aproximarem e afastarem presidente e chefe de Governo, em discussões substantivas que aproveitem ao país, e há sobretudo coisas mais importantes e prementes para entreter a actividade legislativa dos senhores deputados.
2 - Fátima Felgueiras foi absolvida e, compreensivelmente, correu a apresentar-se como um modelo de virtudes, um exemplo de honestidade. É natural que o faça. No que todos devemos pensar é onde é que houve erros:
- ou errou a comunicação social, que deu conta de umas quantas irregularidades que Fátima Felgueiras teria cometido e que só poderiam ter levado à sua condenação.
- ou errou a Justiça, que não terá feito o seu trabalho de investigação de uma forma perfeita, reunindo elementos que levassem à condenação da autarca, absolvendo-a por falta de provas.
No primeiro caso, há que pensar no papel que muitas "fontes" desempenham nestes casos. Estas fontes são, quase sempre, pessoas ligadas aos tribunais e aos processos, pessoas que se julga deverem estar acima de suspeitas e não orientadas por interesses pessoais, menos ainda por vinganças. No caso de falha da Justiça, sensação que tantas vezes fica na opinião pública, é necessário que os responsáveis políticos reflictam, analisem o edifício jurídico português e introduzam alterações que tornem a justiça mais célere, mais transparente e menos falível. Infelizmente, o descrédito a que se chegou é grande, correndo-se o risco de se ferir de morte a própria democracia.