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O segredo de Polichinelo que, vá lá saber-se porquê, António José Seguro decidiu guardar no mais bem guardado cofre do Rato foi anteontem revelado: Francisco Assis é o cabeça de lista do PS às eleições europeias.
Ao protelar o anúncio, Seguro expôs-se ao vexame: no congresso do PSD, Paulo Rangel, candidato da coligação PSD/PP ao mesmo ato eleitoral, desafiou o líder do PS a dizer quem era, afinal, o socialista escolhido para a magna empreitada. Horas depois, Seguro desvendou o "segredo". É toda uma lição da gestão do tempo em política, esta que Seguro nos acaba de oferecer...
Deve o país exultar com a escolha de Francisco Assis para aparecer nos cartazes com o símbolo do PS e para discutir os problemas Europa e do nosso país dentro dela? De uma coisa o país pode estar certo: ouviremos oratória da melhor e leremos prosa da melhor, porque nessa arte de dizer e escrever Assis é mestre. Outra coisa bem diferente, mas, creio, bem mais importante, é saber o que fará Assis no Parlamento Europeu (PE), além de falar e escrever.
Na folha onde se regista o passado do ex-líder parlamentar do PS não constam grandes obras. É verdade que foi o mais jovem presidente de Câmara do país, quando assumiu a de Amarante. Meteu uma lufada de ar fresco no concelho - e pronto. De resto, todo o percurso de Assis na política tem sido feito à custa da palavra. E muito pouco, ou mesmo nada, à custa da ação concreta, o fim último para o qual, ao que parece, elegemos os políticos.
Donde: o palavroso e assertivo Francisco Assis encherá certamente o PE com discursos dos mais bonitos, mas não se pode esperar dele produção e conclusão sobre o que realmente mexe com o quotidiano dos europeus. Ou, apenas para citar mais um exemplo, algum exercício de um aborrecido lobbying, modo de torcer para o nosso lado os interesses que se jogam na mais alta política europeia. Isso dá trabalho e causa chatices. E Assis não aprecia essas duas ferramentas.
Uma coisa podemos e devemos esperar de Francisco Assis: a luta contra jornais que "constituem verdadeiros perigos para a democracia". Num texto que escreveu em novembro de 2010, o cabeça de lista do PS colocou o JN e o "Correio da Manhã" na lista dos malfeitores que estão a destruir a democracia . Porque, diz o homem, ambos apelam "às piores pulsões populares", ambos ajudam a degradar "um espaço público que é indispensável para a afirmação de um verdadeiro espaço democrático".
Supondo que não mudou de ideias, cabe a Assis apresentar no PE propostas para acabar com a ferocidade destes perigosos inimigos do povo. Só assim será consequente. De outro modo, afundar-se-á no lodo da demagogia de que costuma dizer-se um combatente. E a demagogia é, como Assis sabe, um poderoso instrumento de degradação do espaço público que ele tanto ama.