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Contados os votos nas autárquicas, assomam-se as vozes vaticinadoras da ingovernabilidade de um quarto das câmaras do país, com Porto e Lisboa à cabeça, que findaram a noite eleitoral com maioria relativa. As sibilas modernas, com pouco conhecimento da experiência governativa do Poder Local, apressam-se a estabelecer paralelos com o Governo da República para traçar uma narrativa da Oposição obstaculizante que prende na sua teia o pobre do presidente vencedor. Mas esse fantasma não assombra a generalidade dos Paços do Concelho. O quotidiano dos municípios mostra-nos que o discurso catastrofista tem pouca correspondência com a realidade. Não nego que a maioria absoluta traz conforto à atuação política do triunfador, porém tem-se revelado um aliado do empobrecimento do debate político no Poder Local e um empecilho para o reconhecimento de boas ideias que saem de outras cabeças, que não aquelas que marcham na mesma militância partidária. Não se ouve, porque não é preciso ouvir, porque a seu lado tem a matemática necessária para validar tudo o que almeja. E não abundam por aí, dentro da corte do presidente da Câmara, vozes dissonantes. A maioria relativa não é perfeita, contudo encerra a maior das virtudes: a necessidade de estabelecer consensos. E, da discussão, uma ideia promissora pode converter-se num projeto notável, assim como um erro colossal pode ser travado. O presidente, assombrado pela maioria relativa, não conseguirá fazer tudo o que quer? Não. E isso é negativo? Talvez sim, talvez não. Bastou serem conhecidos os resultados eleitorais para reavivar a ideia dos executivos monocolores. Sou contra por várias razões e talvez a maior de todas seja o não refletir a vontade dos eleitores. Num Executivo que sai do sufrágio pintado com várias cores políticas, não foi só o programa do vencedor que foi validado.

