Corpo do artigo
A notícia do JN diz que "casamos cada vez menos aos domingos". Aliás, casamo-nos cada vez menos, todos os dias. E menos ainda para a vida, eis a fria eloquência dos números: há 25 anos, mais de 70% dos casamentos eram feitos na Igreja; hoje, apenas um terço dos casais atreve o "sim" diante do altar. As estatísticas sobre a natureza dos casamentos revelam uma forte tendência para a secularização. Em primeiro lugar, porque há menos casamentos em geral: em 2016 foram registados 31 977, menos de metade dos que ocorreram em 1990 (71 654), enquanto o número de divórcios quase triplicou, no mesmo período, chegando aos 22 340 em 2016, uma média de 61 em cada dia.
A demografia explica, em parte, este declínio no acasalamento tradicional. Mas a crise da última década decerto também ajudou: a insegurança no trabalho e os baixos salários obrigam muitos jovens a continuar a viver com os pais ou, se tiverem sorte, compartilhar um apartamento. Mas dificilmente reúnem as condições que consideram necessárias para constituir família. Daí que a idade média do primeiro casamento ande pelos 32 anos, em Portugal, entre os países com as uniões mais serôdias.
As maiores mudanças provêm da evolução social e cultural. Durante séculos, o casamento serviu, em boa medida, para contratualizar o relacionamento e autorizar, no caso dos crentes, a procriação. Mas isso mudou com a "revolução sexual" dos anos 60 e 70 do século passado. Muitos casais começaram a viver juntos sem formalizar a união, algo que antes era pecado ou causa de escândalo.
Acrescem, decerto, outros fenómenos culturais emergentes. Estudioso dos comportamentos na era da comunicação digital e das redes sociais, o polaco Zygmunt Bauman, autor de "Amor líquido", diz que as relações humanas "estão cada vez mais flexíveis". Avezados ao mundo virtual e à tecla que nos facilita o desconectar, em off ou em modo de avião, são-nos mais difíceis os compromissos sérios e duradoiros. Nos dias que correm "nada é feito para durar, tampouco sólido. Os afetos escorrem das nossas mãos por entre os dedos feitos água".Tratamo-nos cada vez mais como bem de consumo: quando há defeito descarta-se; ou, até mesmo, troca-se por "uma versão mais atualizada".
Civil ou religioso, o casamento significa compromisso. E nestes "tempos líquidos" que o sociólogo descreve tão bem, muitos dos nossos interiorizam que, para se adaptarem às exigências de flexibilidade da nova economia desregulada, quanto menos laços, melhor. Até que a morte nos separe...
* DIRETOR