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Era suposto a crónica ser sobre a mulher que ousou contestar o patrão da Fernando Couto - Cortiças. A operária que venceu em tribunal o capataz da fábrica de Paços de Brandão, com direito a reintegração por despedimento ilegal e indemnização por assédio. A mãe vítima de vingança mesquinha, carregando e descarregando, todos os dias, os mesmos sacos de rolhas. A mulher, operária e mãe que uns quantos colegas tolhidos pela ignorância ou pelo medo asseguram que precisa de aprender a lição. Mas também era suposto a crónica ser sobre a mulher vítima de dois violadores, enquanto jazia inconsciente na casa de banho de uma discoteca de Gaia. A mulher que, segundo um acórdão do Tribunal da Relação do Porto, não foi vítima de um crime de ilicitude elevada, porque não há danos físicos, nem violência. A mulher que carrascos de toga violaram uma segunda vez, agora em público. A crónica era para ser sobre as duas mulheres, mas meteram-se pelo meio duas perdas. Primeiro chegou-me a notícia da morte do Nuno Silva, jornalista do JN, com a força de uma pedrada atirada à falsa fé. Minutos depois, a notícia da morte do Altino Madureira, que a família já esperava, mas ninguém queria ouvir. Seria possível dedicar mais linhas a qualquer dos dois. Já não as tenho, mas não faz mal. Acredito que ambos teriam concordado que não podia deixar nenhumas das histórias acima por contar. Não prometo, como a Margarida, que um dia hei de dizer de viva voz à Matilde, a filha do Nuno, que o pai era um homem bom. Não prometo à Teresa que serei eu agora a chamar-lhe Cris, como só fazia o Altino, esse outro homem bom. Limito-me a testemunhar que passaram pela minha vida, que deixaram marca, e que farão parte da minha história, enquanto ela durar. No caso do Nuno, também fará parte da história do JN. É pouco, comparado com a violência da perda, mas vai ter de servir. Até sempre camarada Nuno. Até sempre Altino.
EDITOR-EXECUTIVO