A auditoria ao sistema de acesso ao direito foi finalmente concluída pela Ordem dos Advogados (AO) e apresentou resultados muito diferentes dos que tinham sido divulgados há um mês pelo Ministério da Justiça (MJ). A fiscalização do MJ limitara-se a ordenar às secretarias dos tribunais um levantamento dos processos judiciais para verificar se os pagamentos pedidos pelos advogados correspondiam aos serviços prestados. Sublinhe-se que os honorários dos advogados oficiosos estão fixados numa tabela publicada pelo governo (PSD/CDS) em 2004 e que nunca foi actualizada até hoje.
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Os funcionários judiciais, muitas vezes sem os conhecimentos específicos adequados, assinalaram tudo o que lhes pareceu ser irregular, independentemente da sua natureza, causa ou finalidade. Todos esses dados foram sendo comunicados à OA às parcelas durante os meses de Setembro e Outubro, até que, em 28 deste último mês a Ordem recebeu uma relação de 17 423 processos que o MJ considerava irregulares. A OA fez o que o MJ deveria ter feito (e não fizera) para separar as fraudes dos meros erros, tendo enviado mais 13 000 emails a notificar os advogados visados para se pronunciarem sobre as irregularidades imputadas. Ao contrário do MJ, a OA não acusa ninguém sem provas nem condena (muito menos publicamente) sem ouvir os acusados.
As respostas (e as faltas delas) foram analisadas pela Ordem, que destacou uma equipa de advogados bem conhecedores do funcionamento do sistema de acesso ao direito, a qual, após uma primeira apreciação e sem qualquer margem para dúvidas, concluiu que 8028 daqueles (17 423) processos não continham qualquer incorrecção, ou seja, estavam totalmente regulares. Dos restantes 9395 processos, a OA verificou que 2885 apresentavam meros erros sem qualquer prejuízo para o Estado, 2238 configuravam, de facto, irregularidades e os outros 4272 apresentavam-se como inconclusivos, pois que, apesar dos indícios, não era possível afirmar ou negar a existência de fraudes. Sublinhe-se que a equipa de advogados da OA andou pelos tribunais de todo o país onde analisou cerca de 5000 processos que o MJ garantia serem irregulares.
Infelizmente, a pressa do MJ em divulgar os "seus" resultados era tanta que, violando o acordado com a OA, não aguardou que esta concluísse o seu trabalho e, inopinada e levianamente, anunciou ao país que havia 17 423 irregularidades e um prejuízo para o Estado na ordem dos 600 mil euros. Saliente-se que resultava claramente da própria auditoria do MJ que uma parte significativa das irregularidades se traduzia num benefício para o Estado superior a 230 mil euros, quantia essa que, se houvesse boa-fé, deveria ser deduzida ao prejuízo anunciado. Com efeito, em 1256 processos os advogados enganaram-se na formulação dos pedidos de honorários e pediram 230 698 euros a menos.
Perante aqueles dados, a prudência e a honestidade de propósitos aconselhavam uma conduta bem diferente daquela que o MJ seguiu e divulgou espalhafatosamente. Com efeito, se havia muitos advogados que se enganaram e pediram dinheiro a menos, também poderia haver muitos que, igualmente por engano, pediram dinheiro a mais, pelo que seria necessário analisar as situações uma a uma e não publicitá-las a todas como fraudes. Mas boa-fé e lisura de intenções são coisas que não abundam no MJ. Repare-se que muitas das irregularidades são erros em pedidos de pagamento que os próprios advogados já tinham corrigido ainda antes da auditoria começar. Por outro lado, em 870 processos as irregularidades pura e simplesmente não existiram, antes se deveram apenas a erros do MJ, talvez devido à pressa em acusar e condenar publicamente os advogados.
Seja como for, a OA e os advogados que trabalham no acesso ao direito saem de cabeça erguida deste "pogrom" do MJ, pois os indícios de fraudes detectados são insignificantes relativamente aos mais de 9700 advogados envolvidos e, sobretudo, aos mais de dez milhões de euros abrangidos.
Por isso, desafio publicamente o actual governo a mandar fazer auditorias idênticas a outros gastos com a justiça, nomeadamente, às remunerações extraordinárias dos magistrados bem como aos honorários pagos às grandes sociedades de advogados de Lisboa e do Porto.