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A semana passada foi fértil em notícias sobre o MP a propósito de buscas domiciliárias e não domiciliárias, levadas a cabo com grande alarido no âmbito do processo que envolveu Rui Rio. Já escrevi sobre a violação do segredo de justiça e enquanto o Legislador não decidir alterar a moldura penal deste crime, não se alcançarão grandes êxitos na investigação.
O processo em causa mereceu tratamento prolongado e especial, continuado e multiplicado por vários dias nos media. Espantoso para mim foi a formulação de juízos de certeza pelos comentadores, jornalistas e políticos imputando a violação do segredo de justiça ao MP.
Qual a razão de ciência destas afirmações quando o processo teve a intervenção de funcionários judiciais, PJ, MP e JIC? O que pretendem aqueles que de forma tão leviana, sem qualquer indício, apontam o dedo ao MP?
Tal atitude significa o aligeirar do tratamento sério duma questão grave. As imputações que repetidamente foram feitas à actuação funcional do MP, a quem a Lei atribui a competência para dirigir a fase de inquérito criminal, reveste a natureza de interferência na autonomia deste.
Esta Magistratura integra o órgão de soberania Tribunais e é autónoma do poder político. Tem a obrigação de investigar todas as denúncias que contenham indícios de crime, qualquer que seja o suspeito da sua prática. A investigação está sujeita aos princípios de objectividade e legalidade.
Não obstante, foram diversas as intervenções públicas assacando ao MP excessos na obtenção de meios de prova. Atribuíram-lhe a publicidade da diligência e criticaram a desproporção da actuação e o abuso da própria investigação, uma vez que todos os partidos agem do mesmo modo, no que se refere ao pagamento de assessores na AR que executam apenas trabalho partidário.
São conhecidas as tentativas antidemocráticas que desejam a sujeição do MP ao poder político. O coro de críticas à actuação deste não pode ser subscrito pelos que defendem uma democracia plena e activa. Há uma nítida e expressa intromissão externa numa investigação criminal concreta.
A estratégia, o modo e o tempo da realização de diligências é da competência do MP. As buscas domiciliárias são propostas por este ao JIC, que decide. Foram executadas no cumprimento da lei processual penal. O crime principal sob suspeita é o de peculato. O processo está em segredo de justiça, pelo que se não sabe o conteúdo total dos factos indiciados e a sua dimensão. As buscas domiciliárias são meio de obtenção de prova admissível e podem ser realizadas entre as 7 e as 21h e ordenadas pelo JIC. Se houver violação destes pressupostos, a diligência será nula.
Qual a razão de tanta polémica, tantas declarações inflamadas, tantos protestos, tanta divagação sobre um tema exclusivamente judiciário? Para mim, assiste-se a uma investida grave contra a autonomia do MP. O MP não é o inimigo, mas sim o crime. Apoucar a instituição é atingir o coração da democracia. Isto é que é preocupante.
A autora escreve segundo a antiga ortografia
*Ex-diretora do DCIAP