<p>O presidente recusou promulgar o novo Estatuto Político-Administrativo dos Açores, depois de a Assembleia da República (AR) o ter aprovado duas vezes, ambas por unanimidade. Como não está - nem poderia estar - em causa apurar se o veto político de Belém "vale" mais do que o voto dos 250 deputados com assento em S. Bento, sabe-se como vai acabar esta novela: com a confirmação do diploma em sede parlamentar, quanto mais não seja pela bancada do PS, que assegura maioria absoluta. É assim o nosso sistema: assenta em competências "cruzadas" entre órgãos de soberania, com legitimidade eleitoral própria, com vista a proporcionar o equilíbrio institucional. </p>
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É precisamente a questão dos equilíbrios, dos pesos e contrapesos, que deve ser ponderada , quando se analisa o que se passou, em especial depois da intervenção do Tribunal Constitucional. Cavaco Silva não aceita que, além dos partidos e do Conselho de Estado, como a Constituição determina, passe a ter de ouvir o presidente do Governo Regional e a Assembleia Legislativa dos Açores enquanto tal, se quiser dissolver este órgão. O aumento do número de entidades com direito a audição prévia não representa uma amputação das competências do órgão de soberania presidente da República. A dissolução continua a ser uma das suas prerrogativas. Ainda que todos os consultados sejam contrários, pode determiná-la sem dar quaisquer satisfações. Mas nem por isso a argumentação de Cavaco perde pertinência.
Em primeiro lugar, porque se abre, de facto, a porta à alteração de normas constitucionais por uma lei ordinária. Em segundo, porque passa a exigir-se ao chefe de Estado que consulte mais entidades antes de dissolver a Assembleia da República do que o parlamento açoriano. Como, ainda por cima, o novo Estatuto Politico-Administrativo atribui em exclusivo aos deputados regionais o direito de proporem mudanças no diploma, a Assembleia Legislativa é "promovida" a um estatuto mais elevado. Quase de órgão de soberania.
A autonomia das regiões insulares não é assunto de madeirenses e açorianos; diz respeito a todos nós. É legítimo recear que assim desenhado o sistema crie perigosos desequilíbrios. E justifica-se exigir resposta a uma mão-cheia de perguntas. Porque diabo se acentuam as diferenças já existentes entre os parlamentos dos dois arquipélagos, em vez de os equiparar? É o Estatuto dos Açores mais um passo da "autonomia progressiva", caminho politicamente difuso que o ex-presidente do Governo Regional, Mota Amaral, traçou e todas as forças políticas, pela adesão ou o silêncio, têm trilhado? E, já agora, onde termina a "autonomia progressiva"? Na eliminação do carácter unitário do Estado português, consagrado no artº 6º da Constituição?