Corpo do artigo
A autonomia e hierarquia parecem conceitos antagónicos que se repudiam mutuamente por incompatíveis. No entanto, tais conceitos caracterizam a Magistratura do MP. A CRP consagra-a como gozando de estatuto próprio e de autonomia e os seus agentes são magistrados responsáveis, hierarquicamente subordinados... Concretizando estas normas, o estatuto do MP define-o como órgão que representa o Estado, exerce a acção penal orientada pelo princípio da legalidade, defende a legalidade democrática e goza de autonomia em relação aos demais órgãos do poder central, regional, local e judicial. Fica claro, sem espaço para elucubrações, que o MP goza de autonomia externa, ou seja, actua com total independência face àqueles poderes. Complexa questão é a de conformar a autonomia interna de que goza com a hierarquia a que está sujeito. Há pouca reflexão escrita sobre o assunto, sendo o parecer de 2019 do Conselho Consultivo do MP o melhor instrumento para desbravar esta teia, mesmo não se concordando com a sua explanação e respectivas conclusões, no seu todo. É esta problemática que importa discutir, aberta e profundamente. A sua solução terá necessariamente repercussões na linha hierárquica no que tange à responsabilidade pela condução e realização de diligências em processos concretos com forte repercussão social, política e económica. Numa aproximação perfunctória, por razões de espaço, sublinhe-se que o já citado estatuto diz que, com respeito pelo princípio da autonomia do MP, os seus magistrados são responsáveis e hierarquicamente subordinados, sendo que a responsabilidade consiste em responderem pelo cumprimento dos seus deveres e pela observância das directivas, ordens e instruções que receberem. Porém, acrescenta o mesmo diploma que a intervenção hierárquica em processos penais é regulada pela lei processual penal. Por seu lado, o CPP só se pronuncia expressamente sobre a intervenção hierárquica nos casos de arquivamento dos autos, casos em que o imediato superior pode determinar seja deduzida a acusação ou a continuação da investigação com as diligências que determinar. No espaço nubloso e lacunar deixado em aberto pelos normativos citados, qual a prevalência destas características do MP, nomeadamente nos casos concretos? Analisar cuidadosamente a questão, prevenindo uma solução constitucional, é trabalho prévio a qualquer alteração legislativa precipitada.
*A autora escreve segundo a antiga ortografia