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Resolvido o Orçamento, agora é a Lei das Finanças Regionais, com a questão da insustentabilidade da Madeira, que põe em risco a governabilidade do país. O braço-de-ferro entre a Oposição e o ministro das Finanças ocorre numa altura em que as bolsas estão em pânico, depois das assassinas palavras do comissário Almúnia, um cinzento eurocrata que, por incompetência técnica e limitado por problemas linguísticos, equiparou Portugal e Espanha à Grécia. Não sei se o Governo faz bem em manter-se firme, ou se esta dramatização, com a ingovernabilidade como pano de fundo, terá um efeito bem mais perverso para a imagem externa de Portugal do que uma cedência negociada nesta questão. Simpatizo, ainda assim, com os argumentos de Teixeira dos Santos, não só porque faço parte daqueles que estão fartos do regabofe e das bravatas de Jardim mas também porque não acho tolerável que o esforço de consolidação das contas públicas não tenha impacto numa das mais ricas regiões do país.
Ainda assim, essa inflexibilidade só faz sentido, até por razões éticas, se houver coerência nas políticas do Governo. Ora, como se compreende que se mostre inflexível com a Madeira mas, no continente, opte por privilegiar e discriminar positivamente uma única região que, também ela, tem um rendimento superior à média nacional? Como se explica que o PIDDAC cresça em Lisboa e caia a pique no resto do país? Como se entende que, forçado pelas circunstâncias a fazer cortes no seu faraónico plano de investimento público, o Governo apenas seleccione como prioritárias as obras que beneficiam a região de Lisboa e atire todas as outras para as calendas?
No fundo, o problema deste Governo não resulta da inexistência de uma maioria absoluta mas de um insanável défice de credibilidade que lhe retira toda a autoridade moral. Afinal, exige sacrifícios aos contribuintes em nome da recuperação económica mas não é capaz de dar bons exemplos; quer congelar os salários dos funcionários públicos mas continua a desbaratar dinheiro em assessorias, avenças, consultores, estudos, e contratados por amiguismo; suscita a questão dos desequilíbrios entre a Madeira e os Açores mas continua a privilegiar Lisboa e a discriminar o resto do território continental.
Pior do que isso, é um Governo que não hesita em dar o dito por não dito, mesmo quando isso implica a violação das promessas eleitorais. Basta recordar a campanha eleitoral para as legislativas, e as promessas que o PS fez no Porto de que a ANA não seria privatizada. Afinal, a pretexto de que é preciso arranjar quem construa o novo aeroporto de Alcochete - e a dificuldade resulta não apenas da crise financeira mas também da evidência de que esse investimento não é necessário ou urgente - a ANA vai ser transformada num monopólio privado, e o aeroporto do Porto estará condenado a ser uma mera peça do enxoval.
Por isso, e mesmo quando não concordo com as suas políticas e me indisponho com as suas exigências, admiro e invejo a persistência dos deputados madeirenses, que não se encantam com as Tágides, não temem o Governo central nem se conformam com a disciplina partidária. Por contraste, a Norte reina o silêncio, ainda que entrecortado, aqui e ali, pela estupefacção gerada por mais uma das muitas afrontas de que a Região tem sido vítima. Com tanta e tão cega obediência aos directórios partidários, não admira que a Região, e a cidade do Porto em particular, estejam condenadas à irrelevância e resvalem tristemente para o abismo.
